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Luz sobre as delações

 

O boato de que o ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Facchin, relator da Operação Lava Jato, vai liberar o sigilo das delações premiadas da Odebrecht, colocou Brasília em suspense. Há, no entanto, uma quase unanimidade entre a classe política, abrangendo o próprio presidente Michel Temer e a presidente do STF, ministra Carmem Lucia, a favor da liberação do sigilo das delações.

Provavelmente o ministro Facchin deve liberar também os pedidos de arquivamento do Ministério Público, para que as pessoas acusadas indevidamente tenham uma reparação pública. 
A ministra Carmem Lucia faz apenas a ressalva de que a publicidade não pode atrapalhar a efetividade das apurações e, portanto, se Facchin liberar as delações, é sinal de que as investigações já estão adiantadas a tal ponto que não serão prejudicadas.

O presidente Michel Temer faz uma análise separando os aspectos políticos do jurídico. Para ele, os vazamentos e comentários baseados em informações parciais servem para uma ação política de embate entre as forças que se contrapõem neste momento.

Já com a liberação geral, ganhará destaque o aspecto jurídico, isto é, os autos falarão por si, neutralizando os comentários políticos. Com a íntegra das delações, todos poderão saber quais acusações realmente pesam sobre cada um, em que se baseou o delator para afirmar tais denúncias, ou se elas não passam de meras insinuações ou ilações, sem base concreta.

Quem teve acesso aos depoimentos fala que a maioria deles está bem detalhada, alguns com hora de encontros, descrição dos locais, uma série de indícios que podem ser checados nas investigações. É o caso do depoimento de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, divulgado ontem pelo blog O Antagonista. Ele entra em detalhes das negociações, relatando passo a passo sua relação e de sua empreiteira com os governos Lula e Dilma.

A conta corrente aberta em nome do ex-presidente, por exemplo, tem um fluxo de dinheiro detalhado a cada ano. A divulgação em breve da íntegra dos depoimentos, provavelmente hoje, está colocando os políticos em Brasília em polvorosa.
O presidente Michel Temer, em conversa ontem pela manhã em Brasília, me disse que não estava preocupado com a maioria apertada que o processo de terceirização obteve na votação na Câmara. Foram mais de 40 deputados da base governista que estavam em seus gabinetes e não apareceram para votar.

Segundo ele, o governo não se empenhou na aprovação, pois não considerava um tema fundamental, embora tenha achado bom o resultado. Temer diz que a terceirização sempre foi um tema muito polêmico, e não há uma certeza de deputados e senadores sobre o assunto.

Ele está convencido, no entanto, de que os parlamentares sabem que, em relação à Previdência, haverá muitos problemas se nada for feito. Referindo-se à separação dos servidores de Estados e municípios da reforma da Previdência, Temer diz que tomou a decisão de surpresa para não sofrer a pressão dos governadores, interessados em atrelar a reforma regional à federal, para escapar das pressões políticas dos seus servidores.

Para o presidente, o sucesso desta reforma não depende de Estados e municípios estarem na lei. A reforma da União é que é importante, e ele acha que será aprovada. Além disso, houve o alerta de que os servidores estaduais e municipais já estavam preparados para entrar com ações para barrar a reforma, alegando ingerência federal nos assuntos regionais.

Os deputados e senadores também estavam sendo muito pressionados, e até mesmo protestos marcados para os próximos dias perderam a força diante da mudança. Temer está jogando tudo na aprovação da reforma da Previdência, convencido de que se não houvesse essa agenda reformista do governo, a situação política estaria mais caótica.

A não aprovação da reforma da Previdência, portanto, não é uma opção viável, e a base governista sabe disso.   

O Globo, 24/03/2017