No seu programa “Deles & Delas”, na Rede CNT, Leleco Barbosa, ao lado de Alda Soares, perguntou se devemos chamar os cantores Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso de “censores” por causa da questão das biografias. Talvez o termo seja mesmo muito forte, mas qual seria o outro para caracterizar a batalha em que estão empenhados para proibir que alguém escreva a respeito deles sem ter autorização prévia? Isso raramente aconteceu antes no Brasil.
A nossa lei é muito clara. Se houver algum tipo de exagero, a Justiça pode se manifestar e cobrar do autor uma indenização por perdas e danos morais. Não foi o que aconteceu com Ruy Castro e a família do Garrincha? As filhas do craque se sentiram ofendidas porque o autor escreveu, com farta comprovação, que o atacante de pernas tortas bebia em demasia. Não mentiu, mas mesmo assim um meritíssimo só liberou a obra depois de aplicada uma multa no escritor consagrado. Lavou-se a pretensa honra com algum dinheiro, o que, na nossa opinião, é algo extremamente discutível, mas é a lei.
No caso de Carmen Miranda, suas herdeiras fizeram um acordo prévio com o autor e a obra seguiu o seu rumo. Com Cecília Meirelles, não há acordo e estamos privados de ler os seus magníficos trabalhos. Enfim, há uma balbúrdia nessa matéria, embora o artigo 5º da Constituição de 1988 seja muito claro quando assegura a liberdade de expressão na vida brasileira.
Voltando ao “Deles & Delas”, do mesmo programa de televisão também participaram a dra. Sílvia Gandelman, advogada especialista em direitos autorais, que defendeu a utilização dos recursos da lei antes de qualquer incursão da censura, e o professor e acadêmico Evanildo Bechara, que deixou mensagem importante: “Se a censura prévia tivesse vigorado há tempos, muitas obras-primas da humanidade não teriam sido escritas e teríamos perdido muitos tesouros culturais.”
O caso é tão grave que remonta aos tempos da famigerada Inquisição, quando livros e mais livros foram queimados em praça pública, ao lado de corpos de pretensos hereges. Mais recentemente, isso foi visto quando vigorou na Europa o nazismo, de triste memória. Hoje, quando livros são retirados de circulação por desacordo entre os atores do processo ficamos na dúvida se, em casos extremos, algumas tiragens não acabarão consumidas pelo fogo falsamente reparador.
Mas, surgiu uma luz nisso tudo. Com muito bom senso, o cantor e meu amigo Roberto Carlos deu uma entrevista ao “Fantástico” em que se diz a favor das biografias não autorizadas. Pede delicadamente que sejam promovidos “ajustes” nas conversações, para que todos ganhem com os entendimentos, o que é perfeitamente razoável: “Acho que devemos chegar a uma conclusão que seja boa pra todo mundo.” Ele quer que as regras protejam também o biografado, contemplando-se assim duplamente a liberdade de expressão e o direito à privacidade.
Como se vê, o assunto ainda vai render.
Folha Dirigida (RJ), 14/11/2013