O dia de ontem foi exemplar da luta entre o novo país que tenta nascer contra a velha ordem que teima em se manter sob seus próprios escombros. E nada representa melhor essa disputa de visões de mundo do que o dividido plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), onde qualquer decisão mais importante é resolvida quase sempre por um voto, que pode ser revertido, ou neutralizada por um pedido de vista.
Fonte de boas e más notícias, é o Supremo que decide qual rumo o país tomará, e mais umas vez ontem os ministros Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso assumiram posições diametralmente opostas, refletindo essa divisão que domina nosso processo político.
O ministro Gilmar Mendes voltou a criticar a atuação da Procuradoria-Geral da República na gestão de Rodrigo Janot, acusando as investigações de falhas e apressadas, resultando, segundo ele, em erros graves que anularam o acordo de delação premiada dos irmãos Batista e teriam colocado o STF em posição vergonhosa.
Barroso discordou, afirmando que as visões de mundo e do país dele e de seu colega eram distintas, e defendeu as investigações, afirmando que as malas de dinheiro, a gravação da conversa do presidente Temer e Joesley Batista eram provas claras. “Eu vi a mala de dinheiro, eu ouvi o áudio”, frisou Barroso. E criticou os que queriam manter a situação atual, onde pessoas ricas e poderosas têm imunidades.
O Supremo já havia sido palco, no dia anterior, de decisões da Segunda Turma que evidenciaram que o ministro Facchin está isolado: Gilmar Mendes e Toffoli decidiram arquivar processos contra vários políticos, contra o voto do relator da Lava Jato. Fato que se repetiu ontem. O ministro Gilmar Mendes, aliás, assumiu de vez o protagonista político contra a Lava Jato, e deu uma liminar proibindo em todo o território nacional conduções coercitivas sem que o réu tenha se recusado a depor.
Esse mecanismo, juntamente com a permissão para a prisão em segunda instância – que Gilmar também quer mudar – são os mais utilizados pelos membros da Operação Lava Jato. O próximo embate será em torno da prisão preventiva, que Mendes já criticou por se alongarem além do razoável a seu modo de ver.
Para coroar seu dia, ontem o ministro Gilmar Mendes encaminhou ao Senado uma proposta de emenda constitucional introduzindo no país o semipresidencialismo. Sem entrar no mérito da proposta, ela está manchada por um artigo que determina sua entrada em vigor já na eleição de 2018, portanto, uma mudança que se daria a menos de um ano do pleito presidencial, em outubro próximo.
Já havia denunciado essa manobra aqui mesmo na coluna há duas semanas. O argumento é que o presidencialismo está mantido, pois o presidente seria eleito diretamente, e criada a figura do primeiro-ministro. Se efetivada, essa mudança dependerá o entendimento do Supremo sobre se ela modifica o processo eleitoral.
Mas ontem o ministro Facchin teve também uma vitória importante: mandou para a prisão o deputado Paulo Maluf, uma espécie de símbolo da corrupção no país.Iniciado em 9 de maio deste ano, o julgamento na 1ª Turma do STF decidiu que Maluf, “entre o ano de 1998 e 2006, de forma permanente, ocultou e dissimulou vultosos valores oriundos da perpetração do delito de corrupção passiva, utilizando para isso diversas contas bancárias e fundos de investimento situados na Ilha de Jersey, abertos em nome de empresas offshore, notadamente nos bancos Deustche Bank e Citibank”.
O dinheiro era fruto de desvios de obras realizadas na avenida Água Espraiada, hoje avenida Roberto Marinho, estimados em US$ 170 milhões. O voto de Fachin pela condenação foi seguido por Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, graças à interpretação de que lavagem de dinheiro é um crime permanente, que não prescreve. Pela idade de Maluf (86 anos), os outros crimes prescreveram.
O ministro Marco Aurélio Mello, ministro revisor, foi o único a defender que o crime de lavagem já estaria prescrito. Por esse voto, a defesa do deputado Paulo Maluf tentou recorrer aos embargos infringentes, quando é possível reverter a pena, mas o ministro Facchin considerou que não era o caso, pois o voto único na Turma não permitia tais embargos, que só acontecem quando o réu recebe pelo menos quatro votos favoráveis no plenário. Os embargos infringentes nas Turmas não estão regulamentados.
Além do mais, Facchin alegou que o voto do ministro Marco Aurélio foi apenas parcialmente favorável a Maluf, pois ele considerava o crime prescrito, o que não significa absolvição do condenado. O advogado Kakayconsiderou uma decisão “teratológica” (monstruosa, absurda) e vai recorrer à presidência do Supremo durante o recesso.
Uma luta contínua.