Embora a manifestação do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot sobre a nomeação de Lula para o Gabinete Civil não deva ter repercussão prática, já que existe uma liminar impedindo a posse até que o plenário do STF se pronuncie, seus argumentos no documento de ontem revelam o que deverá ser sua posição em outro processo, este criminal, que poderá gerar um inquérito contra a presidente da República por obstrução da Justiça.
A sugestão de Janot de que Lula, mesmo nomeado ministro, não tenha foro privilegiado em relação aos crimes acontecidos antes de sua nomeação, retira dela a proteção política que se buscava, e deixa Lula descoberto diante daqueles com quem deverá negociar apoios à presidente Dilma.
Com a presidente ameaçada por um inquérito sobre obstrução da justiça, e Lula igualmente ameaçado de voltar à esfera do Juiz Moro, o governo perde mais substância política e reforça a idéia de que o PMDB, e outras siglas no entorno do governo como o PP e o PSD, deixem a coalizão governamental e comecem a preparar o governo de Michel Temer pós-impeachment.
O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, deve dar uma liminar mantendo a suspensão da nomeação de Lula já determinada por outra liminar do ministro Gilmar Mendes, mas os pontos levantados pelo Procurador-Geral são fundamentais para se entender as conseqüências políticas das decisões do Supremo sobre o ex-presidente Lula.
Janot afirmou em seu parecer que a nomeação de Lula para a Casa Civil pela presidente Dilma Rousseff teve o objetivo de influenciar as investigações sobre o ex-presidente na primeira instância da Justiça Federal, mais especificamente na 13ª Vara Federal em Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro conduz os processos da Operação Lava-Jato. No documento encaminhado nesta segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot classificou de "inegavelmente inusual" e "circunstância anormal" a decisão de Dilma de apressar a posse de Lula no ministério.
Ele atribui ao ato um “desvio de finalidade”, o que por si só não significa que a presidente tentou obstruir a Justiça. Mas ao afirmar as duas coisas, isto é, que com o desvio de finalidade ela tentou “influenciar as investigações”, ele está encaminhando a conclusão para o campo criminal, e não apenas meramente administrativo.
Se, como se espera, Janot mantiver esse encadeamento de raciocínio quando responder à questão criminal relativa às gravações entre Lula e Dilma, ele estará sugerindo ao ministro Teori Zavascki que abra um inquérito para apurar a atuação da presidente da República no caso.
De acordo com ele, o dano à persecução penal pode ocorrer de diversas maneiras: necessidade de interromper investigações em curso, tempo para remessa das peças de informação e para análise delas por parte dos novos sujeitos processuais no STF e ritos mais demorados de investigações e ações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função, decorrentes da legislação penal (particularmente da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990), da jurisprudência e da dinâmica própria dos tribunais.
Janot acrescenta que a prerrogativa do chamado foro por prerrogativa de função não é absoluta. "Caso se apure ter sido a nomeação praticada com abuso de direito ou tentativa de fraude processual, pode autorizar-se deslocamento da competência para outro juízo", diz. A discussão sobre o foro privilegiado não deverá ser enfrentada agora pelo ministro Teori Zavascki, mas sim quando o assunto for analisado pelo plenário do Supremo, a partir do dia 2 de abril, quando o ministro Gilmar Mendes, relator dos mandados de segurança que sustaram a posse de Lula no Gabinete Civil, retorna de Lisboa.
A partir de hoje, quem ainda nutria a esperança de que o governo tinha força junto à Procuradoria-Geral da República para proteção de seus apoiadores, já deve estar convencido de que não existe a possibilidade de parar as investigações da Operação Lava-Jato. A começar por Lula.