A Conferência de São Petersburgo levou Lula ao novo rondó do G-8 com as periferias. Convidados, dois a dois, os países da Ásia, África e América Latina, para ninguém pôr defeito, nos cerimoniais de um novo consenso, de até onde podem ir os donos do mundo, na crescente consonância entre os Estados Unidos e o Velho Continente. Não há que se sublinhar a efetiva satelitização por Washington de todo o bloco oriental, já com pé nas decisões de Bruxelas e Estrasburgo. Na seqüência do encontro de há semanas na Áustria, reconheceu-se a prioridade do problema do terrorismo internacional e o fato consumado do intervencionismo americano para debelá-lo, a partir do Oriente Médio. O veto contundente de Bush, no Conselho de Segurança à contenção de Israel no Líbano, mostra o quanto essas novas lógicas da dita estabilização internacional afastam as Nações Unidas de um multi esforço coordenado para superar-se o 11 de setembro. O cenário de São Petersburgo apresentou todas as características da pasteurização democrática para o espetáculo desta nova Rússia, como a espera o Salão Oval. Protestos nas ruas, dissidências aplaudidas, perigo de vaia, na boa claque em que o protesto minoritário e estridente faz parte das regras do jogo e da boa consciência da presente ordem global. Neste quadro dissiparam-se, também, as reivindicações ditas periféricas, a que o governo Lula deu a maior ênfase de sua presença internacional. Não prospera nosso projeto inicial, de pacto com Pretória e Nova Deli. A ascendência americana, subseqüente às novas eleições hindus, eliminou a primeira proposta brasileira, de retomada de um jogo possível de barganhas e de reequilíbrios, frente à efetiva concentração do poder econômico global. Mais ainda, a Índia se beneficia, hoje, de todas as bênçãos americanas, para a expansão da sua energia nuclear para fins pacíficos, em contraste com o veto acirrado e crescente ao vizinho Irã. Ao mesmo tempo, o novo rumo dos pactos continentais africanos recentra a política de M"Becki, para, ainda, mediatizar a política de doações internacionais nascidas da devastação social e econômica da mais desvalida das periferias. Ao lado do presidente do México, Lula foi ao Palácio dos Tzares, mão na mão, debutantes do novo luxo político. Mas dentro de um contraste prospectivo, quanto à solidez política e econômica dos dois maiores países da América Latina. Se é tranqüila a reeleição brasileira, a vitória do sucessor de Fox se dá por um fio de cabelo e a força, nas ruas, do eleitorado de Obrador mostra um país dramaticamente partido quanto as opções do desenvolvimento. Juntando a África do Sul ao Congo, o G-8 reduziu o convite a uma nova exigência protocolar. O segundo parceiro africano preencheu a vaga para tão só evidenciar a solidão hoje do governo de Pretória como, de fato, a economia a sobreviver no Continente, pela legítima expressão política e econômica nacional. Na parceria asiática, Washington demonstrava o sucesso da conquista de Nova Deli e a certeza de que a presença chinesa não faria verão, ou agregaria os países de população bilionária do século. O clima de segurança que irradia nestes dias o Salão Oval pôde permitir a declaração grotesca votada, por bancada mínima, no Congresso americano, da denúncia do polvo terrorista, como hoje visto pelos neo-conservadores dos Estados Unidos. O Brasil torna-se suspeito por esses parlamentares, de ceder à conspirata internacional de Zarkawi, e permitir, a partir da tenebrosa área das três fronteiras, em Iguaçu, a entrada na América Latina da subversão para chegar ao México, e atravessar a fronteira "para cometer ato de terror". Grave não é o delírio da perspectiva, mas o quanto ela pode evidenciar, pelo seu próprio desvario, a fragilidade da opinião pública americana, ao receio da agressão externa, e o apoio sem mais discussão do empenho da sua ação militar preventiva em todo o mundo. A quebra da estabilidade libanesa pode ser o primeiro passo de descarte dos governos legítimos, na abertura dada a Israel como gendarme do status quo, como pax americana. De toda forma, a exasperação das condições de segurança urbi et orbe revoga por contraste a temática básica do velho clamor periférico, em que cresceu, nestes anos, a liderança brasileira e a voz de Lula nos cenários internacionais. E a possível discrepância da Rússia, no imo do G-8, aquietou-se de vez, diante do novo surto terrorista da Chechênia, e o primeiro reflexo de São Petersburgo será a sucessão de Kofi Annan em setembro próximo. Na questão de fundo o que fica claro é o quanto os Estados Unidos vão ao garrote terrorista, independentemente do que pensem ou digam as Nações Unidas. Bush e Blair podem até repetir como palavrão o que vem como empecilho à sua visão da paz mundial. E até onde a escolha do novo homem-chave, na sucessão do ganês, pode levar à saída dos Estados Unidos e à repetição do colapso da velha Liga das Nações
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 21/07/2006