Lula se entrevista este fim de semana com Obama, no começo deste intento de levar o presidente americano a uma visão ampla e prospectiva da América latina que tem diante dos olhos. É sem dúvida o lado do mundo menos conhecido pelo homem da Casa Branca. Permitiu-se, mesmo para escândalo dos mexicanos, penetrar uma das únicas gafes de sua campanha. No dircuso de Berlim referiu-se à queda, afinal, de todos os juros do muros no prenúncio de uma nova era. Mas esqueceu-se por inteiro que continua ereta a barreira no Rio Grande, fechando todo ingresso mexicano nos Estados Unidos, num portão que inclusive entra no Pacífico até 300 metros, tornando impossível praticamente o seu contorno a nado.
O eixo europeu asiático comanda a iniciativa da nova Casa Branca. Mas a conversa agora com Lula lhe permite ao mesmo tempo desmontar os seus antagonismos e , sobretudo, dar-se conta do que quer o Brasil, já além de seus limites continentais. Lula vai à Obana às vésperas desse reconhecimento brasileiro no G-20, ao lado do México. E é já, no protagonismo dos BRICS que o novo governo americano depara um país continental, desligado nos seus dinamismos do resto do Continente, a abrir-se cada vez mais aos seus enlaces africanos.
Na marca clássica do nosso estereótipo, de confronto argentino, deslocamo-nos, cada vez mais, dos portenhos a não lograr ainda, com o casal Kirchner, o ganho para o desenvolvimento sustentado. Sobretudo, entretanto, há que olhar abaixo do Rio Grande, para além da dicotomia clássica, no destaque entre o sul-Atlântico e a América andina. Esmaece também a pseudo-revolução bolivariana em que Chávez tentou, por um momento, assumir, ao mesmo tempo em que um paternalismo bolívio-equatoriano, a pobreza de um tosco pólo anti-Estados Unidos.
Enfraquece-se, agora, o protetorado venezuelano, tanto quanto, de vez, a marca de respeitabilidade política, ao se consagrar virtualmente como presidente perpétuo de seu país. O contraste só grita e mais com a presidência Lula, na manutenção do mais estrito democratismo, e esses 84% de popularidade em fins do segundo mandato que traz ao encontro com Obama.
No emperro do Chavismo avulta já a própria desproporção da nossa presença nos países andinos, a partir da Petrobras, e das grandes construtoras da infraestrutura equatoriana. Passa-se a condenação de um dito "imperialismo" brasileiro, e o governo de Quito foi ao confronto extremo com as nossas empresas, na mesma medida em que a Petrobras levou ao máximo de concessões sua coexistência com o governo de Morales.
Em polos excêntricos a um dinamismo continental fica a Colômbia de Uribe, como anteparo inclusive da ação militar americana, no combate, já quase exaurido, às Farcs e ao narcotráfico, e o Chile, único país associado, há décadas, à tentativa da "pax americana" do governo Johnson. Somou com o Canadá uma frente do Pacífico, que leva a sua economia a participar do Asean e de uma futura geopolítica externa à América Latina.
Lula sabe o número de chapéus e desempemhos que deixa a porta do Salão Oval. Confia no olho que começa, por sobre todas as realpolitik. O presidente da América profunda encontra o líder do país do desenvolvimento sustentado, e o é, deveras, pela premissa democrárica com que hoje o Brasil se impõe ao mundo que respeita as regras do jogo e as Constituições para ficar.
Jornal do Commércio (RJ), 13/3/2009