Já sabemos, desta vez, pelos scripts óbvios da irrupção moralista nacional não vamos aos desfechos de sempre. Talvez, de fato, por estar na fogueira, a carne do partido diferente. As cinzas já são outras no combustível das denúncias ao deixa-disso final que sempre convém ao País de sempre. Não está em causa apenas o Brasil dos cartolas, nem a demolição a que possa chegar o denuncismo como paixão em desenfreio sob o álibi moralista. Dos escândalos de libreto conhecido, passa-se por uma vez à interrogação de se o País que, pela primeira vez, foi ao poder com Lula se reconhece numa comoção tradicional do regime estabelecido, seus abusos continuados do poder como cosa nostra, e do remédio das CPIs sazonais para vociferar e esquecer.
Incorreu o PT na contaminação que é de todo miasma do situacionismo. E não há como remover do mesmo pavilhão de condenados os companheiros imprudentes, deslumbrados ou rendidos à pecúnia do lance. No novo desfecho, de toda forma, aí estão as surpresas, que nos afastam da catástrofe imaginada, ou pelo menos a reciclam. Ou, sobretudo, levam a segunda parte do Governo Lula às exéquias em cova rasa, trocadas pelo compromisso de não disputar a reeleição.
De saída, já, concordaram as oposições, entre as mais afoitas ou carnívoras, a que se poderá sangrar o presidente, mas não levá-lo ao corredor cego do impeachment. O confronto de fundo com o outro Brasil hoje no poder não paga o risco do abalo da crise, a demolir o presidente e rachar o país. Fica o consolo de esperarem seus inimigos mantê-lo à mira do impeachment, como refém domesticado a uma administração sonâmbula, até a entrega da faixa. Mas se torna também claro que o Brasil de fundo não se contaminou - como os quadros petistas - pelas regras de jogo de um País que não é o seu, e não tem, no espancar da corrupção, e, sim, na fuga à miséria radical pela primeira vez, a esperança que se realizou com o "Lula lá".
O líder Agripino, em boa súmula do realismo oposicionista, repetiu-nos que se só deflagram impeachments pela alavanca política, e não pelas razões jurídicas em levar-se um presidente ao patíbulo. É, pois, a rua que passa a referendar esta última moção, e ela já nos deu as certezas de quem foi à praça contra ou pró Lula. Reconheceu a mídia que, na batida dos martelos das demonstrações chapa branca, a da "Força Sindical", em Brasília, mirrou, nos seus vazios contundentes diante da multidão que atulhou a Praça dos Três Poderes, com os caras pintadas a favor do presidente.
Não precisa João Pedro Stédile acenar a uma prova dos nove se, de fato, juntasse-se os movimentos sociais a partir do MST, - à CUT, num plantão cívico a favor de Lula num repúdio nacional a sua vitimização pelo Congresso. Nem se duvidaria, em último tacape cívico, do que fosse hoje a busca de um "plebiscito já" pelo presidente, confirmando o voto do País de base ao que logrou em 2002.
O desencanto e a decepção podem tomar conta da opinião pública, tanto que ela continua a refletir, estritamente, as classes médias brasileiras e o seu comando das manchetes. Nela, inclusive, podem ter submergido os neolulistas, justamente o do Brasil bem plantado, que se conformaram - muitos apertando o nariz - a que se desse uma chance ao "sapo barbudo".
Na vaga desta indignação, seus sais e vidros de cheiro, todas uma dita vanguarda de intelectuais se soma até a tentação fundamentalista, de refundações do partido, ou de flagelo da legenda, votando-a a desaparição. O País de fundo não está sendo verrumado pelo desgosto dos cartolas. Nem das donas de casa frente à televisão, nem dos panelaços do País do emprego certo e do "tudo bem" de sempre.
As perplexidades que enfrenta Tarso Genro na sua indiscutível coragem de purificar hoje o PT evidenciam também de que não é por uma refundação que ele responde ao que veio. O País de baixo não está primariamente interessado nesta purga, nem no cutelo crescentemente sangrento do "doa a quem doer". Basta-lhe que o PT responda à sua cota no julgamento geral do escândalo e na expectativa do "todos fora" trazido às ruas.
Mas não se recorra à crucificação antecipada pela legenda. O que cabe ao Congresso, no assumir a sua culpa, e no responder à execução de todas as cabeças comprometidas, em todos os partidos, com a corrupção sistêmica, e enfrentar a escolha de Sofia. Varrer do seu seio quase uma centena de parlamentares, ou chegar aos acordões de sempre, no agigantado samba-canção das tolerâncias, das faltas de provas, e das anistias preventivas. Tudo também nos conformes do elixir curativo da reforma política, e não se fale mais nisso.
Afinal não existe hecatombe seletiva. E a Nação já viu o tamanho do destampatório. Este que o Brasil dos cartolas quis em nome de um denuncismo que cansou os seus nervos. A certeza de que permanece um "Lula lá" não envolve, entretanto, a do PT cá, agora. Mas se escapar de uma velha lógica condenatória, responderá, sim, ao que lhe pede o Brasil e de fato lhe cobra, e quer ter a sua teimosia premiada no momento que vem.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 02/09/2005