Não foi por acaso que o ex-presidente Lula anunciou ontem a possibilidade de vir a disputar a presidência da República em 2018, ao fim de uma semana em que o boato de que estaria prestes a ser apanhado na Operação Lava-Jato dominou o mercado político brasileiro.
Mesmo que as pesquisas de opinião demonstrem sua fragilidade eleitoral neste momento, Lula precisa manter viva a expectativa de poder, para não abandonar o PT moribundo no meio da praça e, ao mesmo tempo, inflar sua imagem política para constranger iniciativas que visem criminalizá-lo.
Como não tem controle sobre as investigações da Operação Lava-Jato nem sobre as delações premiadas, as já feitas e as que estão por vir, só resta a Lula fazer política. Afinal, na Operação Mãos Limpas da Itália, foram presos nada menos que 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.
Seu alter-ego “Lula Inflado”, o boneco que o apresenta no uniforme de presidiário com o número 13 (do PT) 171 (artigo do código penal para estelionato), que tanto sucesso fez na recente manifestação de Brasília, é um inesperado estrago à sua imagem e, assim como ele, começou uma viagem pelo Brasil aparecendo ontem em diversos pontos da capital paulista.
Por coincidência, ontem também o juiz Sérgio Moro titular da 13ª Vara Federal, em Curitiba, centro das investigações da Lava Jato, fez uma palestra na sede do Ministério Público Federal em São Paulo e comparou a ação brasileira à Operação Mãos Limpas, o famoso combate na Itália contra a corrupção, ocorrido na década de 90.
Considerado um dos maiores especialistas em combate à lavagem de dinheiro, Moro é um estudioso do caso italiano e publicou em 2004 na revista do Conselho de Justiça Federal artigo em que traça paralelos entre o Brasil daquela época e a Itália. Moro fez uma brincadeira quando falava ontem sobre as críticas que recebe pela decretação de prisões preventivas na Operação Lava-Jato. Depois de citar as 800 prisões por corrupção na Mãos Limpas, Moro comparou com a Lava Jato. “Ainda tenho um saldo”.
Dois anos depois de iniciada, em meados de fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais.
Aqui ainda não chegamos a tanto, mas também, como Moro faz questão de frisar, ainda não estamos nem mesmo na metade do caminho. Na Itália, o Partido Socialista (PSI) e a Democracia Cristã (DC) saíram devastados da primeira eleição depois da Operação Mãos Limpas, em 1994, obtendo 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente. O PT começa a se desmanchar, perdeu só em São Paulo este ano cerca de 20% dos prefeitos que elegeu em 2012, e parlamentares simbólicos como a senadora Marta Suplicy, e é provável que outros anunciem a saída até o começo do outubro, prazo para mudança de legenda para quem pretende disputar a eleição em 2016.
A eleição municipal, por sinal, deve ser um marco na redução da representação do Partido dos Trabalhadores em decorrência dos escândalos que vêm envolvendo o partido desde o mensalão em 2005. Os membros do governo e dirigentes petistas já não conseguem sair à rua sem serem rejeitados publicamente – outro dia o Advogado Geral da União Luis Adams que foi praticamente colocado para fora em um restaurante em Brasília, o que é lamentável mas reflete um sentimento predominante.
Das três causas apontadas pelos estudiosos que possibilitaram o surgimento da Operação Mãos Limpas, pelo menos duas existem entre nós: uma conjuntura econômica difícil, aliada aos custos crescentes da corrupção; e a queda do “socialismo real”, que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado na oposição entre regimes democráticos e comunistas. A outra causa está relacionada à competitividade da União Européia.
Os governos de esquerda que dominaram a América Latina nos últimos anos estão sofrendo uma onda de contestação pelas crises econômicas que produziram e a corrupção disseminada. O juiz Sérgio Moro ressalta em seu artigo que essa “deslegitimação” do sistema político foi agravada com o início das prisões e a divulgação de casos de corrupção.
No Brasil, as revelações de que o esquema de corrupção na Petrobras era coordenado pelo PT; que o ex-ícone da esquerda José Dirceu recebia propinas em causa própria, e que o presidente da Eletronuclear Almirante Othon Luiz Pinheiro, considerado “o pai do programa nuclear brasileiro” montou um esquema para receber “pixulecos” das empresas que construíram o complexo nuclear de Angra dos Reis, serviram também para deslegitimar a ação política do governo e seus aliados partidários. ( Amanhã, a pressão da sociedade).