Enquanto os médicos, e o próprio presidente, não se esquivam de avaliar como “grave” o acidente doméstico no banheiro que ocasionou um sangramento na cabeça de Lula, muitos petistas tentam tapar o sol com a peneira, garantindo que tudo está bem. Se dependesse desses, Lula teria viajado para a reunião na Rússia, o que seria uma extravagância perigosa.
Já houve época em que políticos não gostavam de revelar as doenças, com medo de prejudicar suas carreiras. O exemplo mais notável historicamente foi o então ministro da Justiça, Petrônio Portella, no governo Figueiredo. Grande articulador, fundamental na negociação para a abertura e a anistia aos presos políticos na ditadura, Portella poderia ter sido a saída civil da ditadura militar na abertura do regime, mas se recusou a ir para o hospital quando teve um infarto e morreu em casa.
Felizmente, já vivemos tempo em que a transparência é exigida dos homens públicos, e quem não a adota tem prejuízos, cedo ou tarde. Fora os desajustados socialmente, que revelam sua estupidez nas redes sociais ironizando o acidente sofrido pelo presidente ou desejando-lhe mal, os cidadãos, mesmo oposicionistas, sabem que não se devem politizar certas situações, como as que envolvem a saúde pessoal de um líder, mesmo adversário. O mesmo aconteceu com a facada do presidente Bolsonaro.
O caso de Lula tem aspectos específicos, pois, além de estar atualmente no governo, sua influência na política brasileira é tão ampla que uma eventual saída da disputa política mexe com todo o tabuleiro.
Durante muito tempo, o PT se recusou a fazer alianças fora de seu grupo de esquerda e agora sente falta delas. Em São Paulo, se aliou ao PSOL, que, embora tenha nascido em protesto à crise de corrupção que afetou o partido de Lula em 2005, com o mensalão, acabou virando um partido da área de influência do PT. Mesmo assim, Boulos tem poucas chances de ganhar a Prefeitura de São Paulo.
Foi um avanço na negociação partidária, pois o PT não costumava abrir mão da cabeça de chapa, mesmo sem condições de ganhar. Nas outras capitais em que levou candidatos ao segundo turno, só em Cuiabá tem alguma possibilidade de vitória. Em Fortaleza, Natal e Porto Alegre, está com derrota prevista pelas pesquisas. Mas o problema do PT é maior que esse.
O partido depende de Lula, que, especificamente nesse embate, preferiu ficar fora porque tem aliança grande no Congresso, abrangendo a direita e o Centrão. Ao contrário dos governos anteriores, quando as alianças do PT com os partidos de direita eram extrativistas — tiravam dos aliados o apoio necessário no Congresso em troca de fisiologia, não de programas —, hoje o PT depende desses partidos e aceita as derrotas que sofre, por impossibilidade de revidar na maioria das vezes.
Com o acidente doméstico que sofreu no fim de semana, Lula ficará impedido de se empenhar nas campanhas nesta última semana, como pretendia. O futuro do PT pode estar se desenhando sem Lula. Se for candidato à reeleição em 2026, será quase na base do sacrifício, porque não terá idade para enfrentar uma campanha eleitoral disputada. Mas ele é a única chance de a esquerda ser competitiva.
Se o PT fosse um partido que não tivesse dono, já estaria programando sua reestruturação e seu projeto para 2026. Mas, como lá não se faz nada sem Lula, e porque ele é o grande líder popular do país na esquerda, ficará uma situação difícil. O próprio Lula está mais uma vez à frente dos seus, já defendendo que é necessária uma reforma partidária interna para colocar a esquerda em condições de buscar novamente os votos que lhe vêm sendo tirados pelos partidos de direita.