Pediram-me um depoimento sobre Lula e a crise. Eu entendi errado. Entendi que Lula é a crise. Aliás, era o que pensava e continuo pensando desde o início da lambança que o governo e o PT fizeram por aí.
Uma pena. Tanto no governo como no PT há gente que merece o respeito da nação e a admiração de todos. Citá-los seria longo e mais ou menos inútil. Não é difícil fazer aquela operação badaladíssima nos dias que correm, separar aquilo daquilo. (Não falo em separar o joio do trigo porque muita gente não sabe o que é joio, eu mesmo tenho uma vaga noção do que seja.)
Volto a Lula e à crise. Após desconversar durante dois meses, pretendendo tirar o corpo fora, culpando as elites que terão de engoli-lo e insinuando uma imaginária distribuição de renda promovida por seu governo, Lula admitiu a lambança que avalizou direta ou indiretamente. Atribuiu-a a traidores, esquecendo-se de que, antes mesmo dos escândalos agora revelados, ele próprio traiu a confiança e o fanatismo dos que nele votaram, adotando a política econômica vigente. Certa ou errada, boa ou má, ele traía tudo o que ele pregara desde os começos de sua vida sindical e política.
Continuo achando que Lula não é desonesto nem ladrão. De certa forma, é pior. Tinham razão aqueles que o julgavam despreparado para a Presidência. Não pelo fato da baixa escolaridade, da origem humilde, dos erros de concordância gramatical. Mas pela noção de poder, tanto no conteúdo como na forma de poder.
Ele gosta de se comparar a JK, mania igualmente cultivada por seu antecessor. Mas JK dizia e repetia quase todos os dias de seu governo: "Não tenho compromisso com o erro". Foi o presidente que mais demitiu ministros e auxiliares por motivos bem mais inocentes do que os de agora. Não esperou que pedissem demissão.
Reitero: Lula não é ladrão, mas está comprometido com o erro. Ele é a crise.
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/08/2005