A polarização entre candidatos apoiados pelo presidente Lula e por Bolsonaro não aconteceu sobretudo por causa dos dois, que deixaram de se envolver em disputas apertadas para evitar perda de prestígio que, no entanto, virá de qualquer maneira. Tanto um quanto outro fugiu do embate, e demonstraram que já não têm a influência de outrora.
No Rio, não foi preciso o prefeito Eduardo Paes se ligar demais ao presidente Lula, que em algumas situações tirava mais votos do que dava. Tarcisio Motta, o candidato do PSOL, que foi cristianizado pela esquerda para impedir que o bolsonarista Ramagem chegasse ao segundo turno, foi quem sofreu com a decisão do PT de apoiar Paes, e não o PSOL, como fez em São Paulo.
Quem foi atingida pela campanha do voto útil foi a direita, que se dividiu entre Nunes e Marçal. Se as eleições do Rio e de São Paulo trouxerem surpresas, não terá sido por força de Lula ou de Bolsonaro, que se tornaram figuras secundárias na disputa, decisão forçada pela realidade da campanha. O surgimento de Marçal fez com que a direita bolsonarista exigisse, num primeiro momento, ações mais contundentes do ex-presidente.
Em seguida, chamou a atenção para a fragilidade do candidato Ricardo Nunes, que tentou se equilibrar entre o centro e a direita, e quando radicalizou, pareceu falso. As pesquisas de opinião registraram muito bem a passagem de apoio dos bolsonaristas de Nunes para Marçal, considerado mais representativo da mudança radical que consideram necessária. Seria Marçal o representante da nova direita, que um dia já foi Bolsonaro.
O ex-presidente, diante da possibilidade de ir para a cadeia, teria mudado de atitude, negociado com o establishment político e moderado suas intervenções. Tanto que Bolsonaro chegou a pensar em mudar de candidato em determinado ponto da campanha, quando Marçal parecia ganhar vida própria. Essa mudança de rota acabou não acontecendo, mas Marçal realmente ganhou espaço independente de Bolsonaro, levando a que a maioria dos bolsonaristas fosse para o seu lado, emparedando Bolsonaro.
Esse fenômeno de independência de tutor repetiu-se em várias regiões do país, mostrando que a divisão é um problema a ser resolvido para a eleição de 2026, embora a direita, segundo apontam as pesquisas, deva fazer a maioria das prefeituras pelo país. Na esquerda, não houve divisões porque desde sempre Lula é o grande líder, e não há espaço para dissidências.
Lula fez o PT apoiar Boulos em São Paulo porque sabia que não tinha quadros para se opor a Nunes. No Rio, onde o prefeito Eduardo Paes era um candidato mais forte, Lula não pensou duas vezes, deixando a esquerda e o candidato Tarcisio Motta do PSOL a ver navios. Até mesmo as ameaças da Justiça fortalecem a postura de Marçal como antissistema.
A intimação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para que Marçal explique em 24 horas o uso da plataforma X durante o período em que está impugnada no Brasil pode ser mais uma arma para sua campanha no último dia. Os bolsonaristas, que consideram uma ilegalidade a retirada do ar do X, e querem o impeachment de Moraes, reforçarão seu entendimento de que Marçal está sendo perseguido pelo Supremo.
Consideram que ele, usando o X, afrontou o Supremo em nome da liberdade de expressão, o que Bolsonaro não teve coragem de fazer. Como tudo o que Marçal faz é programado, ele deixou para o último dia de campanha a declaração de que é a favor do impeachment, tema que evitou por muitos dias e incomodava seus seguidores.
Assim como usou o falso atestado contra Boulos dentro do prazo em que ninguém pode ser preso antes da eleição. Se vier a ganhar a eleição, Marçal corre o risco de perder o mandato por ter cometido um crime. Mas joga com a lerdeza da Justiça Eleitoral e com a pressão popular para escapar.