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Lula antes do lulismo

 

O Brasil arrancou em Davos a atenção final dos donos do mundo pela força e surpresa do recado de Lula. Não se tratava apenas do benefício do contraste com o bucanerismo bufão de Chávez, diante de uma platéia conhecedora dos trunfos e blefes de um monopólio estatal do petróleo e do pelego populismo que permite a sua benemerência. O confronto cresce ao associarmos, de vez, democracia e desenvolvimento e, sobretudo, ao liame público-privado na correção da injustiça estrutural do país. O PAC recém anunciado garante o carreio do depósito compulsório dos fundos previdenciários à infra-estrutura da economia, e ao avanço de um processo de urbanização com emprego crescente, à perder de vista.


O socialismo do século XXI vai passar por este sucesso sem retórica, do acesso social dos desmunidos à saúde ou à educação, ao lado do mercado de trabalho, e da prosperidade ganha fora do leva-e-traz da esmola populista. Durará o chavismo tanto quanto permaneçam as burras conjunturais do seu petróleo. O reforço de Lula no segundo mandato nasce de outro suporte, que nada tem da fortuna geológica, ou do dote do subsolo nacional. Surge de outra condição tectônica, que é a da consciência da mudança que o elegeu, por sobre o aparelhamento petista, os acessos moralistas e os qüiproquós do país-bem.


O Executivo ganhou de quebra, agora, um Congresso absolutamente chegado ao seu maior denominador fisiológico para ninguém buscar defeito. É uma Câmara a vender tudo por benesses baratas. E o segundo mandato já provou o quanto o presidente venceu a tentação dos carismas para buscar o caminho para fazer do país a alternativa ao neoliberalismo sem ilusões do México, ou às promessas de todas as maracas de Caracas.


A vitória de Arlindo Chinaglia consagrou o fisiologismo explícito do novo Congresso em toda a sua promessa de ser ainda pior do que o antecedeu. Não se pense em retomadas de iniciativas programáticas a partir do Parlamento, tal como aliás anunciou a pobreza dos discursos dos candidatos presos à inércia do sistema e de seus favores. Nem, de outro lado, a dita "bancada do bem", integrada na opção Fruet, que não chegou a um quindo do colegiado. O que se definiu, sim, foi a competição pelo adesismo que deixa Lula inclusive em condição olímpica e o prêmio de consolação que será dado inclusive às bancadas extremistas de Aldo Rebelo, o bom perdedor.


Caberá a Lula tão só administrar o que quererá das duas pontas do situacionismo em que o PT entregará, inclusive, a presidência da Câmara ao PMDB nos dois últimos anos do governo. E o lulismo que sairá do êxito do PAC não dissolve mais esta frente partidária ora soldada na Câmara. Nem se alimente qualquer purismo programático numa refundação petista. A consciência popular que levou o presidente a falar ao coração da mudança foge a toda ortodoxia, mas empurra para a oposição o país de todo o sempre. Mesmo que esse ainda ceda às seduções palacianas, ou falte à coragem de se transformar numa legenda ostensivamente conservadora. De toda forma o moralismo tem hoje pernas curtas, como provou a candidatura Fruet. O Brasil do PAC de vez escapa do que fosse um lulismo, pelas linhas tortas do aparelho ou do perigo messiânico.


Jornal do Commercio (RJ) 9/2/2007