Com algum atraso, escrevo hoje sobre Luiz Alberto Bahia, falecido nos primeiros dias deste mês. Foi um tipo raro de jornalista, antes de mais nada pela formação humanística, que nele se sobrepunha aos macetes técnicos que fazem parte do equipamento básico de um bom comunicador. Conhecia os segredos e truques da profissão, foi um dos mais notáveis chefes de Redação de um grande e histórico jornal.
De formação católica (ex-aluno do Santo Inácio), ainda na mocidade abraçou a Vanguarda Socialista, de orientação trotskista. Nem por isso deixou de ser um dos maiores conhecedores da obra de Teilhard de Chardin, opondo a "O Fenômeno Humano" do jesuíta francês o seu "O Fenômeno Divino", um contraponto que considero magistral.
Quando fui trabalhar com ele, no "Correio da Manhã", admirei-lhe a capacidade de encarar e descascar os abacaxis diários de um jornal que combatia Carlos Lacerda -nada mais, nada menos, um jornalista que governava o então Estado da Guanabara. E, ao mesmo tempo, dedicar à filosofia o melhor de si mesmo: a procura de um eixo espiritual, uma âncora moral que ainda nos falta.
Leitor de Marx, Sartre, Bobbio, tinha tempo e competência para dirigir um jornal e ser o principal editorialista de outro. "A Dimensão Injusta", outro de seus livros, é um ensaio que o coloca entre os pensadores mais originais de nosso tempo.
Fui colega de Bahia duas vezes: no "Correio" e no Conselho Editorial da Folha, no qual, quando falava, fazia análises além e acima das pontuações de cada dia, que muitas vezes impedem o jornalista de enxergar mais fundo e mais longe.
Foi chefe da Casa Civil do governador Negrão de Lima, aqui no Rio, quando se revelou um executivo de cúpula que nada ficava a dever ao intelectual e ao jornalista. Com sua vasta cabeleira revolta, que os anos tornaram maravilhosamente branca, Bahia foi um profissional que honrou o jornalismo e encantou aqueles que trabalharam e conviveram com ele.
Folha de São Paulo (São Paulo) 13/12/2005