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Lugo, Lula, a fronteira da surpresa

 

O discurso de posse de Fernando Lugo, em Assunção, vai a uma dimensão fundadora do discurso de mudança no Continente. Não logra, apenas, a quebra, de vez, de 61 anos da inércia do partido colorado. Traduz uma consciência emergente do "outro país", que teve chance, não só de votar, mas de fazê-lo fora do dilema esterilizante, entre a facção jubilada no poder e os liberais e sua eterna contradança.


O voto presidencial não teve no Congresso, ainda imerso no situacionismo, e numa condição econômica semicolonial. E o Presidente não se ilude quanto as dificuldades de uma maioria ainda clientelística, a que não falta, inclusive, o respaldo autoritário de ex-presidentes militares. A proposta Lugo, de toda forma, já evitou o beijo da morte do aliancismo chavista, e é alentador vê-lo cercado de Bachelet, Cristina Kirchner e Lula.


A eleição do ex-bispo traduziu o melhor recado de uma Igreja para a mudança, na tradição libertadora que nos deu, há uma quarentena, a fundação do PT. E a licença do Vaticano que Lugo acaba de receber mostra o quanto carrega de responsabilidade quase profética. A garantir a opção para os pobres no mundo da globalização, foge quer da hegemonia do neoliberalismo, quer da brutalidade do seu extrativismo tradicional. A realização da reforma agrária terá contra si, por força, os brasilguaios, na exploração do mais clássico latifúndio. Só pode ser áspero o primeiro defrontar de Lugo com o nosso país, num jogo desproporcional de forças, em que a produção paraguaia, como repetiu Lino Oviedo, é um centésimo da nossa.


O Presidente Lugo tem que dar a partida, e o gesto simbólico e o do tira-teima dos preços da energia de Itaipu, atento ao compromisso de que todo este ganho corre ao desenvolvimento social. E não se descure do que representa, na disparidade do confronto, esta passagem de US$ 300 milhões a US$ 1,2 bi, para o programa anti-exclusão do ex-bispo de San Pedro. Não há posto mais cobiçado do governo que começa, que o do negociador paraguaio neste confronto com o Brasil, e nenhuma tentação maior que a de trocar, por um punhado de dinheiro, uma partilha, a prazo e sistemática, na produção da hidroelétrica.


Ou, mais ainda, de seu alinhamento num programa nacional de desenvolvimento sustentável. O novo de Lugo concentrou-se demasiadamente numa só tacada de confiança. Aposta, dramaticamente, no sucesso da demanda feita a Lula. O precedente junto ao outro vizinho, Morales, nas concessões da Petrobras à exploração do subsolo do país, augura a boa surpresa ao deslanche do governo guarani.


A foto dos dois presidentes é a de um olho no olho indiscutível. E a nossa liderança não passa pelas galas suspeitas de um neo-imperialismo, mas pelo entendimento dos prazos curtos, em que Lugo possa escapar ao socorro histriônico de Caracas, ou à rendição, de sempre, à verdadeira dominação que estigmatizou de sempre - brasilguaios de cambulhada - o subdesenvolvimento paraguaio.


Jornal do Brasil (RJ) 20/8/2008