O lugar-comum e a má informação generalizada colaram em cada ano que se inicia o adjetivo "próspero". Desejam a todos nós e nós desejamos a todos um próspero Ano Novo. Não nos custa nada formular este voto, e nada custa aos outros que nos desejam a mesma prosperidade.
Para contrariar o lugar-comum, lembro que o finado Jânio Quadros, que era dado a vocábulos complicados, certa vez chamou um Ano Novo de "poltrão". Não havia ainda o "Aurélio" de hoje, mas havia o Aurélio em carne e osso, telefonei para ele e fiquei sabendo não apenas o que era poltrão mas que todos os anos, novos e velhos, merecem de certa forma a classificação.
Não chego a tanto. Levei tanta porrada de cada Ano Novo que se iniciava pelo mundo, nada demais que imitasse o finado Jânio Quadros e xingasse não apenas o passado e o futuro, o meu e o dos outros. Mas livrava a cara do presente, que nos exige esperança, à qual o poeta atribui o dom de suportar o mundo.
Pessimista por gosto e profissão, nada espero do ano que entra como nada esperei do ano que se foi. Tudo foi lucro, certamente imerecido e insuficiente, mas lucro. Não morri de bala perdida nem de tsunami, duas desgraças que marcaram o tempo que acabou.
Acabou mesmo? Ou é o tempo que nos acaba? Tenho a impressão que dá no mesmo. Reconheço o mau gosto de falar na finitude de todos nós, da minha principalmente, numa data que a tradição exige que seja festiva, colorida e alegre como devia ser todos os dias e todos os anos.
Como disse acima, não custa nada desejar prosperidade a todos, leitores ou não, justos e pecadores, loucos e lúcidos, principalmente aos pecadores e loucos, entre os quais me incluo. O pecador é evidente e notório. O louco é coisa minha, o que não deixa de ser uma forma às avessas da lucidez.
Folha de São Paulo (São Paulo) 02/01/2005