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Literatura e álcool

 

A história me foi contada pela escritora Lygia Fagundes Telles. Há muitos anos veio a São Paulo o Nobel de Literatura William Faulkner e Lygia foi sua anfitriã. O escritor americano passou quatro dias na capital paulista – constantemente bêbado. Finalmente Lygia foi levá-lo ao aeroporto. Ao se despedir, já na fila de embarque, Faulkner voltou-se para ela e perguntou, na voz arrastada pelo álcool: “Qual é o mesmo o nome da cidade onde estive?”.


Existem estudos mostrando que o alcoolismo é mais frequente entre os escritores e intelectuais. Embora pouco rigorosos, correspondem a uma crença geralmente aceita, inclusive pelos próprios autores. “Todos os bons escritores bebem”, sentenciou Ernest Hemingway, um julgamento que o humorista Jaguar ampliou com viés carioca: “Intelectual não vai à praia, intelectual bebe”.


E bebe por quê? Pela própria natureza da atividade a que se entrega, dizem muitos escritores. Trata-se de um “vício solitário”, em que o contato com pessoas às vezes é difícil: “Para conviver com os tolos um homem inteligente precisa beber”, disse o mesmo Hemingway, e Ray Bradbury acrescentou: “É preciso beber para que a realidade não nos destrua”. Em um mundo hostil e indiferente, o bar é um refúgio. Mario Quintana: “Barzinho perdido/ na noite fria/ estrela e guia/ na escuridão”. Não foram poucos os bares que se celebrizaram pelos escritores e poetas que os frequentavam, como o do Hotel Algonquin, em Nova York (George S. Kaufman, Dorothy Parker, Harold Ross, Robert E. Sherwood e outros).


Por fim, existe a ideia de que o álcool estimula a criatividade, uma crença que vem desde o poeta latino Horácio (século 1 a.C.): “Quem bebe só água não escreve bons poemas”. Mas o álcool não faz mal à saúde? Talvez, mas “existem mais bêbados velhos do que médicos velhos”, disse Benjamin Franklin, numa época (século 18) em que a medicina não era mesmo o bicho.


Isto não quer dizer que os próprios escritores não tenham se dado conta das ilusões, e dos perigos, que o álcool representa. “A bebedeira é um suicídio temporário”, disse o pensador inglês Bertrand Russell. Scott Fitzgerald descreveu de forma magistral e bem-humorada a evolução do alcoolista: “Primeiro você toma a bebida, depois a bebida toma você, depois a bebida toma a bebida”.


Dá para reverter esta situação? Dá. Um exemplo famoso é o de John Cheever, alcoolista pesado que conseguiu se livrar da dependência. Na biografia que dele escreveu, diz a filha, Susan Cheever: “Por fim eu tinha de volta meu pai, com um novo interesse na vida” – e muito importante, escrevendo de novo. Livrar-se do álcool é reescrever a própria história.


A Notícia (SC), 20/4/2009.