A nova coleção da Academia Brasileira de Letras, intitulada Antônio de Morais Silva, destina-se a publicar trabalhos sobre Língua Portuguesa, especialmente na modalidade escrita e na variedade culta ou padrão brasileira, sem desprezar as áreas conexas que os atos lingüísticos envolvem.
Sabem os acadêmicos que uma língua histórica se compõe de diferentes variedades regionais, sociais e estilísticas, que não se distinguem essencialmente por juízos de valor (valendo umas mais que outras), mas por funções e condições histórico-sociais. Como a preocupação das academias é, em princípio, normativa e prescritiva, é fácil compreender a área de atividade a que se vai ater a Coleção Antônio de Morais Silva.
Entre tantos nomes de especialistas, a Casa de Machado de Assis optou por começar pelos Estudos filológicos, de Antenor Nascentes, a quem ela deve a organização e preparação do projeto do seu Dicionário da língua portuguesa. Os Estudos filológicos reúnem artigos, conferências e outros trabalhos esparsos em revistas, atas de congressos e jornais, hoje de difícil acesso ao consulente interessado.
O primeiro passo dessa reunião foi dado pelo próprio autor, recolhendo, sob esse título, a primeira série de esparsos, saída em 1939, pela Civilização Brasileira. Vê-se que Nascentes tinha o propósito de prosseguir a recolha, mas a foi realizar, com competência e amor quase filial, o Prof. Raimundo Barbadinho Neto, trazendo à luz, com o apoio administrativo da direção do Colégio Pedro II, a segunda e terceira séries, que sairão em breve, na Coleção acadêmica, enriquecidas de novos esparsos e bibliografia de e sobre o autor dos Estudos filológicos.
Antenor Nascentes é um benemérito na história do magistério de Língua Portuguesa no Brasil. Praticamente inaugurou entre nós um gênero de livros didáticos com os cinco volumes de O idioma nacional, a partir de 1926, nos quais se instruíram milhares de secundaristas. Além de pesquisador, encarnava ele o professor de orientação pragmática, conforme se revelou, já em 1920, com o Método prático de análise lógica (depois sintática) e o Método prático de análise gramatical (1921).
Nascentes foi entre nós, ao lado de José Oiticica - embora com visões metodológicas diversas - um pioneiro dos estudos de fonética, com suas incursões pela ortoepia e prosódia, hoje domínios tão desprezados pela imprensa falada. As lições de Nascentes muito orientaram Mário de Andrade, quando este promoveu o Congresso de Língua Nacional Cantada, em São Paulo, em 1936.
Seguindo os passos de Amadeu Amaral (O dialeto caipira, 1920), escreveu O linguajar carioca em 1922. Em 1932 assinalava uma nova fase nos estudos históricos publicando o Dicionário etimológico e, em 1966, O dicionário etimológico resumido, dando conta do progresso na área, principalmente com a produção de Joan Corominas para o espanhol.
Com muitos outros trabalhos (Barbadinho arrola mais 450 títulos!), estava Antenor Nascentes credenciado por Afrânio Peixoto como o técnico que poderia apresentar o projeto do Dicionário da língua portuguesa que a Academia almejara havia muito. Isso foi em 1940, com a promessa de completar a obra no prazo de dois anos; e, realmente, na sessão de 2 de dezembro de 1943, Afrânio passou à presidência da instituição o projeto concluído, com cerca de 100 mil verbetes! A obra ainda esperaria, por falta de verba para impressão, até 1956, quando, por interveniência do acadêmico Josué Montello, é encaminhada à Imprensa Nacional, que a aprontou em quatro volumes, dando-as à estampa de 1961 a 1967.
Se o mérito da consecução do projeto não lhe abriu, como seria de justiça, as portas da Casa de Machado de Assis, a instituição o homenageia agora escolhendo seus Estudos filológicos para inaugurar daqui a semanas a nova coleção que leva o nome do primeiro notável lexicógrafo e gramático brasileiro do século 19, ambos cariocas e ambos mestres que se imortalizaram nas duas mesmas áreas da ciência da linguagem.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) 28/04/2004