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Língua portuguesa: declaração do Rio

 

A lusofonia, graças à epopéia descobridora lusíada, abrange os seguintes países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, sem falar em Timor Leste. Como a língua portuguesa é usada hoje por 205 milhões de falantes de várias zonas geográficas, vivendo situações históricas diversas, o intercâmbio lingüístico configura um elemento precioso de vivificação e rejuvenescimento do acervo lingüístico comum.


Registre-se uma enorme variedade horizontal (variantes nacionais, variedades dialetais e falares) e rica variedade vertical (terminologias, jargões, falas). A lusofonia caracteriza-se também por exibir uma tradição de oito séculos, que ainda inclui outra bem mais antiga, a latina. Como língua de cultura moderna, a língua portuguesa é a soma do aprendizado ágrafo e gráfico.


Hoje, a nossa língua é a sexta mais falada no mundo, prestes a impor sua presença, tão decantada por nossa música de marcante originalidade e riqueza e pela nossa literatura, tão variada quanto criativa.


Impõe-se o estabelecimento de políticas firmes e consistentes dos sete países que falam o português, especialmente para beneficiar os que vivem o bilingïsmo, como Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo verde. Aqui e ali, o crioulo, o swahili, o francês e o inglês ocupam espaço importante. Cuidamos que o futuro de nossa cultura dependerá sobremaneira da riqueza e do dinamismo da intercomunicação entre os países lusófonos. Sem embargo da adoção de uma política que venha a introduzir o ensino do português nos países não lusófonos.


Em videoconferência realizada graças à competência tecnológica da Embratel, puderam dialogar diretamente, no último dia 10 de maio, o presidente Fernando Henrique Cardoso e o primeiro-ministro de Portugal, António Guterrez. Assinale-se sobretudo o rico e fecundo diálogo entre as Academias das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras, ao termo da qual apresentamos algumas recomendações, extraídas dos pronunciamentos dos membros das duas maiores academias de língua portuguesa.


Do lado português, além do presidente da Academia das Ciências de Lisboa, José Pina Martins, usaram da palavra os acadêmicos Américo da Costa Ramalho, Maria Helena da Rocha Pereira, Adriano Moreira, João Malaca Casteleiro, Anibal Pinto de Castro, Dário de Castro Alves, Fernando Cristóvão, Raúl Miguel Rosado Fernandes e João Bigote Chorão. Da ABL, além do presidente, falaram Josué Montello, Nélida Piñon, Arnaldo Niskier (ex-presidentes), Miguel Reale, Eduardo Portella, Candido Mendes de Almeida, João de Scantimburgo, Celso Furtado e Evandro Lins e Silva.


É de frisar-se que o mundo contemporâneo é uma imensa rede cruzada de políticas e línguas. Os mais competentes sempre levarão a melhor na ocupação de espaços vazios resultantes da inação. Cabe assinalar que a nossa língua resistiu bravamente à avalancha de galicismos nos séculos XVIII e XIX. Esperemos que não venha a abastardar-se pela invasão dos anglicismos com que o cinema e a Internet nos bombardeiam. Os oito séculos de vida da já histórica língua portuguesa atestaram à saciedade que dispomos de poderosos recursos de autodefesa devidamente testados.


Para obviar eventuais inconvenientes da invasão mencionada, é relevante intensificar o ensino do idioma, de sorte a consolidar a língua padrão, fator essencial à unidade nacional.


Não se justifica uma espécie de dom quixotismo lingüístico, a entrar na histeria do defensivismo da língua materna. A ojeriza ao uso da palavras estrangeiras não nos deve induzir à repulsa violenta sem detido exame de sua necessidade e de sua importância ao enriquecimento do nosso idioma.


As inúmeras língua indígenas, sobretudo o tupi, contribuíram para o enriquecimento da língua portuguesa em nosso país principalmente através de termos referentes a acidentes geográficos. Tal fato, no entanto, não desafeiçoa a língua; ao contrário, enriquece-a, como enriquece o falar crioulo do culto religioso originário do continente africano.


Ao encerrar a videoconferência, cuidamos indispensável apresentar as suas conclusões numa declaração, que passamos a transcrever, em primeira mão:


Estimular a plena implantação do acordo ortográfico, com efetiva participação diplomática dos governos dos sete países lusófonos; adotar políticas agressivas de erradicação do analfabetismo, como contribuição ao aumento significativo do espaço reservado à língua portuguesa, e ainda como medida de largo alcance para a emergência da cidadania em nossos países; adotar políticas destinadas a aprofundar a presença da língua portuguesa em Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, bem como assim auxiliar, por todas as formas, ações tendentes a tornar a língua portuguesa mais presente em Timor Leste; estimular centros de estudos de língua portuguesa em países não lusófonos; reintroduzir o ensino de latim nos currículos escolares dos sete países por maneira a melhor fundamentar o estudo da língua portuguesa; estimular a permuta de livros dos escritores dos diversos países lusófonos e estimular a participação crescente dos escritores em questão nas academias de letras, visando a incrementar o intercâmbio lingüístico e literário entre os sete países; estabelecer uma política cultural e educacional com o envio de professores de língua portuguesa e de literatura dos sete países às nações lusófonas; realizar encontros anuais dos sete países, se possível, com a utilização dos recursos tecnológicos da videoconferência; elaborar uma antologia luso-brasileira.


O amiudamento e o aprofundamento do diálogo entre os sete países lusófonos, com a desejável futura adesão de Timor Leste, constituem imperativo da desejada ampliação dos espaços conferidos à língua que Camões nos legou e que Eça de Queiroz, Machado de Assis e tantos outros aprimoraram para o nosso deleite e para a sempre crescente afirmação da presença lusófona no mundo, seguramente carente da mensagem de cordialidade que assinala o nosso perfil.


Tarcísio Padilha é presidente da Academia Brasileira de Letras.


 


O Globo - Rio de Janeiro - RJ, 14/05/2000

O Globo - Rio de Janeiro - RJ,, 14/05/2000