Em cenas descritas e com tons de extrema verdade dramática, a romancista Wanda Fabian, em seus quase 20 livros publicados, exibe o ser humano a nu, vibrante e inquieto na pureza de suas duas condições inarredáveis: a da liberdade e a da mudança.
Em seu romance mais recente, "As verdades inventadas", os movimentos dos personagens e os incidentes da história estão mais do que ligados, porque na realidade estão colados nas liberdades múltiplas de cada habitante do livro, numa sucessão de mudanças que atingem um grupo de gente do meio literário, fazendo lembrar a frase do romancista inglês Joyce Gary: "Meu território é a própria mudança".
Na apresentação que fez para o livro, começa Zora Seljan por realçar a largueza da ficção de Wanda Fabian, ao dizer: "Eis o primeiro substantivo que me vem à cabeça depois de ter lido o romance `As verdades inventadas', de Wanda Fabian: largueza. Largueza de concepção da história, largueza na técnica narrativa, largueza até no tamanho de seu mundo fictício.
A começar pelo enredo que, na realidade, enreda mesmo o leitor, prendendo-o numa rede que não se quer soltar, desejoso de saber o que acontecerá em seguida. Largueza também na criação de seus personagens, cada um gritando suas existências, azafanando-se para ter um papel importante no romance".
Não deixa de ser também o mundo literário que Wanda Fabian mostra em sua história, com festas de autógrafos, conversa de escritores, leitores e editores, com a presença de um original achado e perdido, quem seria o autor ou autora?, com ciúmes de vários tipos, inclusive o literário.
Em tudo avulta o bom estilo de Wanda Fabian, cujos meandros psicológicos de narração adquirem uma agudeza crescente, na medida em que os acontecimentos avançam e a linguagem como que se rende a cada realidade redescoberta.
Como autora também teatral, revela Wanda Fabian as qualidades da obra feita para o palco, apresentando uma história que se dobra sobre si mesma, em inesperados volteios, através de densas e coesas camadas de decorrer dramático, desenvolvendo seu enredo ponto por ponto, trecho por trecho, pensamento por pensamento, diálogo por diálogo, gesto por gesto.
Com isto fecha sua narrativa em tecidos compactos, sem um desvão, sem uma brecha. O que ela fez, na realidade, e com extrema sabedoria de linguagem, foi escrever dois romances entrelaçados, utilizando-se de quatro narradores. Os dois enredos se misturam, com a mulher em busca do prazer de um lado e o Mestiço (com M maiúsculo mesmo) do outro.
Aludindo aos símbolos que Wanda cria e desenvolve ao longo do romance, diz ainda Zora Seljan em sua apresentação: "Lidando com toda uma simbologia a que dá um sopro vital fora do comum, não deixa a autora coisa alguma de fora.
Na realidade, seus personagens estão livres e soltos, não comprometidos com uma possivelmente falsa moral. Wanda Fabian atinge esse plano porque nela o meio se impõe, a linguagem determina tudo; é no domínio manual da língua que ela faz repousar a força do que tem a dizer. Tudo direto e claro. Seus personagens se misturam sem causar confusão no escorrer da história, embora os ângulos do corpo descritivo também possam mudar, o que aumenta o clima de interesse da narração."
Torna-se necessário, num trabalho sobre mais um romance de Wanda Fabian, que se chame a atenção para um aspecto importante, decisivo mesmo, da ficção da autora. Em seu estilo que pega várias nuances - ironia, uma ocasional comicidade, tristeza, veemência, condenações - o que distingue mesmo a literatura de Wanda Fabian é a paixão.
Em seu discurso, agradecendo o Prêmio Nobel de Literatura, em Estocolmo, a 10 de dezembro de 1950, dizia William Faulkner que o escritor tem de manter sua fidelidade a certas constantes do homem, que podem ser todas englobadas na palavra "paixão".
Sem "paixão" ninguém atinge o seu tempo, ninguém consegue chegar ao "outro" e deixar seu nome gravado até no vento. E "paixão" é o que Wanda Fabian tem, no que escreve.
"As verdades inventadas" é um lançamento da Nova Milênio Editora. Coordenação editorial de Walter Duarte, editoração eletrônica de Ito Oliveira Lopes e Wellington Lopes, digitação de Fernanda Ganal, capa e ilustração de Lígia Vieira de Castro, computação gráfica de Wellington Lopes, revisão de Waltércio Souza.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 13/12/2005