Lembro-me, ó se me lembro, e quanto, da minha adolescência em Rio Claro, particularmente, na Semana Santa. O respeito pelas comemorações da vida, paixão e morte de Jesus Cristo era total.
Tão extensa e tanto envolvente, que nem mesmo os trens da Companhia Paulista de Estradas de Ferro apitavam na estação, e como que chegavam e partiam com o maior silêncio possível nas antigas locomotivas a carvão.
Era a religiosidade do povo que se manifestava em todas as classes. Todos os habitantes, desde que pudessem movimentar-se, iam às igrejas e em comunidade rezavam com os párocos e seminaristas da cidade.
Na minha casa, embora meus pais não praticassem a religião na qual haviam sido criados, imperava o respeito pela morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja vida era conhecida dos meninos e dos adolescentes, sem falar dos grandes, por terem todos freqüentado as aulas de catecismo, ou as pregações da Quaresma para os adultos, e sempre por um padre de renome que ia a Rio Claro especialmente para doutrinar quem não se sentia firme na fé.
A fé ensinada nas igrejas mantinha-se com o respeito devido à maior tragédia da história da humanidade, a morte na cruz de um Deus feito homem. As procissões - especialmente a do dia da Paixão, a Sexta-Feira Santa - eram concorridas, e, imaginem os leitores, até mesmo as mulheres à toa, como se dizia, fechavam as casas, como a Pensão Tillier , e iam atrás do palio com a autorização do pároco.
Estou me lembrando por estarmos na Quaresma e por estar próximo o dia da paixão de Cristo. É, também, uma de minhas recordações daqueles tempos que não voltam mais, principalmente nesta fase da vida, em que as sombras do crepúsculo vão ficando cada dia mais longas, até que chegue a noite, onde tudo acaba, para virmos a nos encontrar num reino luminoso, no qual Nosso Senhor tem muitas moradas para os seus eleitos.
Tudo mudou, no mundo secularizado em que estamos vivendo, e mudou para pior, muito pior. Como não se crê em nada, o pior é que se crê em qualquer coisa, como as habilitações dos magos, dos advinhos e dos exploradores das crendices do povo.
Lamento, nesta idade em que me encontro, que tudo tenha mudado e que nada do que ficou atrás volte mais. Vida correndo com o tempo, esta força com quem ninguém pode, tão poderosa ela é. Esta é a minha mensagem para a Páscoa.
Diário do Comércio (São Paulo) 28/03/2005