Cresci ouvindo histórias da Segunda Guerra. Meus pais eram da Toscana. E os anos de 1943-1944 foram os mais cruéis numa Itália devastada. Meu avô paterno deixou o campo de Mauthausen, o mesmo campo onde morreu o primo de minha mãe. Não eram judeus, apenas antifascistas. Como não prestar, aliás, solidariedade aos nossos irmãos judeus, agredidos por mentecaptos que usam a linguagem do terceiro reich como quem bebe um copo d’água? Meu pai era oito anos mais velho do que minha mãe. Egidio narrava a guerra em preto e branco, enquanto Elena Dati trazia imagens mistas da infância, coloridas. Seus olhos de menina viram fascistas fuzilando jovens da resistência. Egidio Lucchesi, mais de uma vez, duelou, vitorioso, com a morte. Conheceram a fome de perto, mas não perderam o orgulho.
Viviam na cidade de Massarosa, libertada pelos pracinhas da Feb, em setembro de 1944. O general Zenóbio da Costa dormiu uma noite na casa de meu avô materno, Valente. Começava a história da minha família com o Brasil. Aprendi com meus pais a amar a terra onde nasci e a não pactuar com a desigualdade. E ensinaram o bem comum, os valores da justiça e da liberdade. Haverá base mais sólida para a afirmação da República?.
Lembrai-vos do passado
O Globo, 03/06/2020