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A Lei dos Ventos

 

VOAR É UMA antiga e sedutora ambição do homem. Deus tinha dado asas aos anjos e as tinha negado a Adão. Na mitologia criamos deuses alados e até o nosso pequeno Eros, deus do amor, tinha uma flecha na mão, para dizer do seu poder de romper corações, mas, também, pequeninas asas, para mostrar que era fugidio e podia locomover-se como os pássaros e pousar em qualquer lugar.


Ícaro é uma das mais belas lendas criadas pela imaginação humana. O Livro 8 das Metamorfoses de Ovídio conta como Dédalo, o arquiteto que tinha feito o labirinto para aprisionar o Minotauro (aquele monstro touro-homem), caiu em desgraça com Minos, um rei que dominava o mar e a terra, mas não tinha poder sobre o ar.


Dédalo fez para si e seu filho Ícaro asas com penas de todos os tamanhos e de todas as aves. E ganhou os ares, como os pássaros. Pediu a Ícaro que o seguisse, voasse baixo. Atraído pela beleza do infinito, ele desobedeceu o pai e voou mais alto. Aproximando-se do sol, Ícaro viu derreter a cera que sustentava suas penas, e caiu. Ficou o símbolo da ânsia de voar e o perigo de não ser ave.


O homem tornou realidade esse sonho e um brasileiro, Santos Dumont, foi bandeirante dessa transformação. Criaram-se máquinas cada vez mais seguras e potentes e fez-nos capazes de andar por todos os ares e resistir àquela Lei dos Ventos (correntes em grandes altitudes com velocidades incríveis) que Leonardo da Vinci, na sua genialidade, descobrira somente com a imaginação. Os pilotos conhecem bem esses ventos que ajudam quando são de popa e prejudicam quando são de proa.


Mas, no Brasil de hoje, não são os aviões nem os ventos que nos devolvem os receios de voar, não são as nuvens nem as turbulências, mas o que ocorre aqui em terra. Construíram-se shopping centers nos terminais de embarque e desembarque, mas nos esquecemos de que avião pousa é em pista, e não nas lojas de tax-free. Que eles são orientados e navegam com a ajuda de aparelhos sofisticados, radares, ILS e outros. Mas nos esquecemos de comprá-los. Deixamos morrer algumas companhias aéreas e ficamos reduzidos a duas, novatas, sem vivência maior do setor. Os órgãos públicos afrouxaram a fiscalização e controle, descuidando da segurança. O fim do DAC, antes que estivéssemos preparados para isso, talvez tenha sido um erro. Mal com ele, pior sem ele.


E nesse caos nasce uma esperança concreta: o espírito público de Nelson Jobim aceitando o Ministério da Defesa e segurando Ícaro, para que ele não se aproxime do sol. Comando é a palavra-chave. E ele tem pulso e experiência para isso.


Folha de S. Paulo (SP) 27/7/2007