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A lei de Ulysses

 

O que é ruim vai ficar ainda pior, como dizia Ulysses Guimarães quando alguém reclamava do baixo nível da representação parlamentar. A Câmara eleita em 2014 aumentou de 22 para 28 os partidos políticos com representação, o que significa que as decisões serão tomadas por um plenário cada vez mais fragmentado, cuja lógica decisória obedecerá a critérios os mais díspares, quase que individuais e mutantes, caso a caso.

Mas vai piorar ainda mais, pois dois partidos oportunistas estão sendo criados, um apoiado pelo PSD e outro pelo PR. São entidades que nada têm a oferecer a seus eventuais apoiadores a não ser a oportunidade de mudar de legenda sem serem punidos. A ousadia é tão grande que a sua finalidade não é nem mesmo existir, pois os partidos criados a partir de uma nova legislação não têm tempo de televisão nem receberão fundos partidários.

Parece medida saneadora, mas só foi aprovada para barrar o surgimento da Rede Sustentabilidade de Marina Silva. O rei dessas manobras é o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, a quem vi defender com unhas e dentes a tese de que não era mais possível permitir a criação de novos partidos logo depois de ter conseguido no Supremo Tribunal Federal (STF) a permissão para que o partido que criara, o PSD, pudesse usar o tempo de televisão de seus novos membros, assim como o fundo partidário.

E por que Kassab agora volta a querer criar mais um partido político? Para mais uma vez ajudar o governo Dilma a desidratar os partidos de oposição. É a figura que melhor representa o atual estágio de nossa política partidária, as características mais enraizadas, a esperteza mais óbvia, todas as ambiguidades de nossa política que afugentam o eleitor das urnas em nível nunca antes registrado estão reunidas em Kassab e em seu novo-velho PSD, partido que não é “nem de centro nem de direita nem de esquerda”, e agora no PL.

É claro que ele não teria sucesso se não houvesse a demanda por parte de deputados e senadores incomodados por estarem fora da divisão do butim governista. Mas, ao contrário de um partido sério que quer mesmo participar da vida política nacional, como é o caso da Rede ou do Partido Novo, esses partidos que estão sendo criados apenas servirão de trampolim para os que querem abandonar o navio da oposição para se bandear para o governo, pois os novos partidos se fundirão com os já existentes e assim aumentarão a base política governista, podendo se tornar decisivos na eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, por exemplo.

O PSD, do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, por exemplo, elegeu a quarta maior bancada, com 37 deputados, e o PR, a sexta, com 34. Os dois estão bem instalados no novo governo Dilma e esperam atrair entre 10 e 15 novos deputados para os novos partidos que estão criando, respectivamente o Partido Liberal (PL) e o Muda Brasil.

Para complicar mais ainda a situação da Câmara, existe agora a figura do bloco partidário, que pode ser usado para neutralizar a possibilidade de políticos usarem a fusão como justificativa para saírem de seus partidos sem perigo de perder o mandato, ou então a federação de partidos. Os partidos independentes da oposição PSB, PPS, Solidariedade e PV estão unidos em uma federação, e já ofereceram legenda para a senadora Marta Suplicy, de malas prontas para deixar o PT.

Um bloco partidário juntará 10 pequenos partidos que elegeram de 1 a 5 deputados cada e sozinhos não teriam grandes perspectivas na Câmara, mas formarão um bloco com 24 deputados. Ao todo são 30 partidos legalmente reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, sendo que desses, 28 têm representação no Congresso. Depois do PSD, foram criados mais dois: Partido Pátria Livre (que já teve até um senador) e Partido Ecológico Nacional.

Na fila do TSE há vários outros: Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil (PSPTP); Aliança Renovadora Nacional (Arena); Partido Nacionalista Democrático (PND); União Democrática Nacional (UDN); Partido Pirata do Brasil (Piratas); e Partido Federalista, e por aí vai.

Só mesmo uma reforma política, com a imposição da cláusula de desempenho – a exigência de obtenção de um mínimo de votos para ter representação no Congresso – e o fim da coligação proporcional poderia conter esse derrame de partidecos que só faz atrasar mais ainda nossa vida institucional.

O Globo, 17/01/2015