Mesmo sendo eu um ultrapassado “analógico”, que é assim que Alice, de 10 anos, classifica os avós, como se fôssemos portadores de uma grave deficiência, reconheço que foi o mundo digital que ofereceu os espetáculos musicais que mais me fizeram bem nessa triste fase de quarentena: as lives de dois jovens comemorando seus 78 anos.
Primeiro, foi Gilberto Gil, à frente de 50 dos melhores artistas do país, cantando e dançando ao mesmo tempo, cada um em sua casa. Eu nunca tinha visto show igual. “Andar com fé”, a música que os animava, era a possível explicação para o milagre. E, assim, eu seria apresentado a esse fenômeno da tecnologia de comunicação que veio para minimizar os impactos da praga do coronavírus no ramo do entretenimento, que só nos meses de março e abril causara o cancelamento de cerca de oito mil eventos artísticos.
Como alternativa, apenas em junho, pôde-se assistir a 72 lives, com a adesão de artistas consagrados como Milton Nascimento, Martinho da Vila, Lulu Santos, Ivete Sangalo, Fafá de Belém, Luan Santana, Nando Reis, entre muitos outros.
Faltava Caetano Veloso, meio-irmão de Gil, que resistia à pressão de sua mulher, Paula Lavigne, cuja insistência valeu a pena. A live dele com seus filhos, Moreno, Tom e Zeca, acabou vindo num momento muito especial, quando o país se aproximava de100 mil perdas para a Covid-19.
Ela funcionou não como compensação, mas como consolo. Acho que nunca uma apresentação dele teve tanta repercussão. Nestes tempos sem graça e sem glória, que Camões classificaria de “apagada e vil tristeza”, houve uma comoção.
Caetano foi tema de conversas e de artigos. Falou-se dele na imprensa, nas redes, nas cartas dos leitores como “sopro de esperança”, “hipótese de Brasil que todos gostaríamos que fosse a verdadeira”, “durante hora e meia um outro Brasil, aquele que é uma nação”, e assim por diante.
Já que não há mais espaço, cito o que me parece ser a melhor síntese do que vimos: “Caetano lavou a nossa alma”.