Acredito que ninguém mais duvide da existência do "mensalão". A CPI vai apurar apenas os detalhes do escândalo: quem pagou, quem recebia, quando e quanto.
Como prática política -e ideológica também, embora não haja qualquer ideologia no "mensalão" da vez-, pagar deputados para formar uma base contra ou a favor de um governo é tradição antiga. Para não ir muito longe, basta lembrar o Ibad, sigla que já não lembro mais o que significa, acho que Instituto Brasileiro de Ação Democrática, ou coisa parecida. Grosso modo, seria um "mensalão" cuja finalidade principal e talvez única fosse a de financiar parlamentares que formassem uma linha de ação no Congresso contra o governo de João Goulart, que estava sendo acusado de preparar um golpe para implantar o comunismo no Brasil.
O Ibad era financiado aberta e prodigamente com dinheiro norte-americano. O embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, que teria papel importantíssimo no golpe de 1964, administrava à distância a caixa e os propósitos do Ibad. Mas a operação em si ficara a cargo de brasileiros mesmo, laranjas dos interesses do Departamento de Estado dos EUA.
Laranjas idealistas, que se reuniam na modesta sala do edifício Avenida Central, aqui no Rio. Um coronel até então obscuro -e bota obscuro nisso- começou a ser falado, repetido e temido: Golbery do Couto e Silva. Acho que esse nome não é estranho para os que viveram aqueles anos hoje chamados de chumbo.
Em termos operacionais, o chumbo começou lá, na pequena sala onde candidatos a isso ou àquilo iam buscar recursos para a campanha de salvação da pátria. Golbery, mais tarde, fundaria o SNI (extensão oficializada do próprio Ibad), sobrevivendo hoje na Abin, que tem o mesmo DNA.
O produto final do Ibad foram os 21 anos de regime totalitário. À primeira vista, o mensalão de hoje pareceria inocente, destinado apenas a garantir projetos de rotina do governo. Mas... e depois?
Folha de São Paulo (São Paulo) 17/07/2005