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Laranjas e livros

 

Nos tempos em que ia para Rodeio, nas velhas marias-fumaças, de repente deixávamos de sentir o cheiro do carvão queimado na caldeira da locomotiva. E um gostoso cheiro de laranja invadia os vagões. Joaquim Pinto Montenegro, meu tio, com a autoridade de quem se julgava dono de todos os dormentes, trilhos, equipamentos da antiga Central do Brasil, anunciava com a alegria severa de quem sentia aquele perfume todos os dias:


- Estamos passando por Nova Iguaçu!


Apesar da velocidade do trem, aquele cheiro de laranja nos acompanhava por muito tempo, era um laranjal contínuo e dourado nos dois lados do leito da estrada. Antes das laranjas, foram a cana e o café. Em Iguaçu havia um porto fluvial que escoava a produção de uma das regiões mais ricas de um estado rico. Não sei se foi a República que arruinou tudo. Nobres solares apodreceram, os rios ficaram entupidos, a baixada fluminense transformou-se numa imensa cidade dormitório, sugada pela União que criara o Distrito Federal nas margens da Guanabara.


A velha Iguaçu também apodreceu, nasceu uma Nova Iguaçu que oferecia à capital mão-de-obra barata e farta. Até que começou a reação. Esta semana, a cidade promove sua primeira Bienal do Livro, com o apoio do Sesc do Rio de Janeiro. Tudo no melhor padrão cinco estrelas, com a presença de escribas ilustres, como Moacyr Scliar, Ferreira Gullar, Nélida Piñon, Ruy Castro, Marina Colasanti, um evento que reunirá grande massa de alunos das faculdades que começam a se instalar na metrópole da Baixada, que com seus 800 mil habitantes tem uma população igual ou maior do que a de muitas capitais européias.


Já temos o exemplo de cidades como Passo Fundo e Gramado, no Rio Grande do Sul, que promovem festivais de cinema e de literatura de repercussão nacional. Joaquim Pinto Montenegro ficaria satisfeito se pudesse estar ali, participando. Ele gostava do cheiro de laranjas e de livros.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 08/10/2003

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em, 08/10/2003