Quando ia de trem para o interior do antigo Estado do Rio, ao passar por Nova Iguaçu, logo à saída do ex-Distrito Federal, sentia o cheiro das laranjas que, de um lado e de outro da via férrea, invadia os vagões que perdiam o cheiro de fumaça das velhas locomotivas e ganhavam aquele perfume de sumo, de fruta fresca e encantada, dos imensos laranjais que nos acompanhavam por algum tempo.
Era um cheiro bom, e além do cheiro, também era bom ver as laranjeiras verdes e pejadas de frutos cor de ouro. Tínhamos a impressão de que os laranjais nunca terminavam, eram imensos e eram eternos.
Passou-se o tempo e, por ironia, temos hoje outro tipo de laranja que nos acompanha, que está em toda a parte, no governo e fora dele, no empresariado, na economia, na política, nos esportes, quase na vida diária e pessoal de cada um.
É uma invasão de laranjas, mas laranjas malcheirosas, de péssimo aspecto, que transformam a realidade num truque de mágica, gente que é o que não é; e gente que não é e passa a ser, para efeito de driblar a lei.
Tudo e todos parecem ser laranjas uns dos outros. Onde há dinheiro grosso, concessões de rádio e televisão, alguma forma de poder grossíssimo, há concentração de laranjas que espionam e são espionados, gravam-se fitas e vídeos, aparecem documentos que são e não são legais. O emaranhado que se cria entre o laranja e o seu produtor, ou seja, aquele que o contrata e o paga, é difícil de ser avaliado e dificílimo de ser punido.
Qualquer jogada de peso no mercado cria um laranjal de influências, laranjas que têm dono, algumas se expõem, outras se escondem. E ao contrário das laranjas da antiga Nova Iguaçu, não perfumam o trem em que viajamos.
Folha de São Paulo, 29/3/2011