Um avião de companhia peruana, com os equipamentos sofisticados, de última geração, inclusive com oito computadores interligados ao gigantesco computador central na torre de um aeroporto supermoderno, de repente ficou voando sozinho, sem nenhum comando. Os pilotos nada podiam fazer. Manche, pedais, alavancas e botões estavam travados pela pane inesperada e irreversível.
Há uma piada no meio aeronáutico: na cabine de comando de um avião do futuro, só haverá instrumentos, um piloto e um cachorro. Por que o cachorro? Se o piloto tentar mexer em algum instrumento, o cachorro não deixará.
Dos aviões passo para a vida geral. Cada vez mais a era digital nos penetra, programando aquilo que podemos e devemos fazer, deixando uma estreita faixa para o que realmente queremos fazer. E o que é pior: programando inclusive aquilo que devemos querer fazer. Na hora de escolher um sorvete de manga ou abacaxi, minha vontade de nada me servirá: estarei programado para, naquela circunstância, preferir um ou outro sorvete.
Vamos dar de barato que a programação seja correta, necessária, saudável, urgente, que todas as coordenadas tenham sido previstas, analisadas e resolvidas para o meu bem-estar moral e material e para o meu prazer. Muito bem. Basta um chip entrar em pane e tudo se esboroa.
Vou tomar um sorvete de manga ou abacaxi, milhões de circuitos internos estão procurando determinar a escolha que devo fazer naquele momento – e eis que o chip avariado me ordena, literalmente, lamber sabão.
Não tendo sabão à vista, saio à procura de um banheiro público. Com sorte, encontro um que tem um pedaço diáfano de sabão grosseiro, e lá fico eu, lambendo aquilo.
A hipótese, como o sabão, é também grosseira. Mas não deixa de ser possível.
Folha de S. Paulo, 10/6/2010