A cidade do Rio de Janeiro vive um período de grandes mudanças. Promissoras, algumas, incertas e polêmicas, outras muitas, motivadas por gestos de resgate sócio-cultural, dentro de um novo desenho de deslocamento e ocupação do espaço urbano, além dos benefícios dos eventos esportivos a que a cidade se prepara. Um símbolo da mudança é o Maracanã, tantas vezes reformado nesses últimos anos. Mas há outro símbolo igualmente fascinante, talvez menos ruidoso, menos atrativo em retorno de investimentos, embora com repercussões culturais profundíssimas, que vibram há dois séculos. Naquele espaço podemos tomar café com o doutor Euclides, aprender a arte sutil do senhor Machado, indagar de Zé Lins a paixão dos livros e do futebol, examinar emocionados incunábulos e bíblias antigas.
O leitor terá percebido, desde o início, que se trata da Biblioteca Nacional, uma das dez maiores do mundo, pela exuberante riqueza de seu acervo, trabalho coletivo de muitas gerações apaixonadas pela defesa do infinito e pela guarda da memória. E, no entanto, desde a construção da belíssima sede, em 1910, o universo inflacionário não cessou de crescer. E a veneranda senhora da avenida Rio Branco perdeu agilidade e sofre os achaques da idade. Não há espaço. Os livros sofrem, apesar das soluções provisórias de seus profissionais abnegados, que beiram o impossível. Falo como leitor, carioca e brasileiro. Um novo Maracanã, pronto, será excelente para o país. Mas como não se cogitou ainda sobre uma nova Biblioteca Nacional? Vejam as da Europa como cresceram, modernas, com projetos arrojados, assim como a de Alexandria, voltadas para o futuro, para uma fome que não deve e não pode se limitar pelo imperativo absurdo da falta de espaço.
Não parece conveniente transferir a biblioteca para algum prédio vasto e bem situado, mas que construído para fim diverso não reúna as condições necessárias ao fim todo especial a que teria de ser destinado. Só a construção de um edifício apropriado poderá proporcionar a instalação que ela com todo o direito reclama.
Autorizado como se acha o governo federal não só a comprar, mas também a construir edifícios públicos para oferecer conveniente instalação aos estabelecimentos públicos, não deve esta ocasião ser desprezada de se resolver a construção do edifício da Biblioteca Nacional.
Devo dizer que os dois últimos parágrafos não são meus. Foram escritos em 1900, por Manoel Peregrino, seu diretor àquela altura, quando a Biblioteca funcionava no Passeio. E, no entanto, parece que foi escrito agora, com urgência e coragem.
Diz-se que Xerxes, ao passar em revista suas tropas, cheias de um notável esplendor, começou a chorar, pensando que, passados cem anos, nenhum deles estaria vivo. Nosso caso é outro. Se não vivermos até 2112, os livros sim, deverão viver, assim como nossos sonhos. Para que os póstumos não chorem o vazio que legamos ao futuro.