Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Lady Di: cúmplice e vítima

Lady Di: cúmplice e vítima

 

Ao contrário da Inês cantada por Camões, nem depois de morta a princesa Diana foi rainha


ENTRE AS coisas inúteis que fiz, a mais cansativa foi a de me apertar num poleiro da catedral de São Paulo, em 1981, para assistir ao casamento do príncipe de Gales com uma professorinha que estava sendo vendida como plebéia, chamada Diana.


Tarefa profissional apenas, que me obrigou a cumprir o complicado calvário entre embaixadas e agências de notícias para descolar a credencial que dava, ao fotógrafo Antônio Rudge e a mim, o direito que estava sendo disputado -segundo me disseram- por mais de 10 mil jornalistas de todo o mundo.


Na época, escrevi umas cinco ou seis matérias para as finadas "Manchete" e "Fatos&Fotos", dando conta do pouco que vi e do muito que procurei adivinhar naquela cerimônia que foi considerada "o casamento do século". Três detalhes me impressionaram. Primeiro: o pai da noiva, Lord Spencer, adentrou a bela catedral de Cristóvão Wren cambaleante, não era ele que apoiava a filha mas a filha que o apoiava, para que não desabasse antes de chegar ao altar. Devia ter exagerado no gim -bebida a que era chegado, só perdendo a "pole position" para a rainha-mãe, avó do noivo, também chegada ao gim sem tônica. Por duas ou três vezes, mesmo amparado pela noiva, ele ameaçou se despencar nos bancos cheios de convidados da nobreza mundial.


Segundo: o príncipe Charles estava simples e belamente apavorado, com medo de cometer alguma gafe. Não olhava para ninguém, somente para a mãe, a rainha Elizabeth 2ª, que o esperava no altar com cara e postura da professora de boas maneiras rastreando a performance de seu aluno mais caro. Até mesmo na hora do "sim", antes de pronunciá-lo, ele olhou para a mãe. Deviam ter ensaiado um código: um piscar de olhos ou uma cabeça baixa consagraria um casamento ou um escândalo.


Terceiro: a própria noiva em si. Apesar da pompa e circunstância, aos compassos da marcha homônima de Elgar, era toda modéstia e pasmo, a Cinderela que encontrara o encantamento de um príncipe de carne e osso, herdeiro de um trono de verdade.


Tudo era festa então, dentro e fora da catedral. Mais tarde, os dois apareceram na sacada do palácio real, o povo delirava, não pedia bis como nas óperas, mas o beijo tradicional e obrigatório de dois noivos que afinal estavam casados. E o beijo não vinha. Eu precisava daquele beijo para a capa do número especial das revistas para as quais trabalhava, Rudge entrava em desespero, a sua lente mais poderosa assestada para o casal. E nada de beijo.


Os dois se retiraram da sacada, mas a gritaria do povo aumentou, tiveram de voltar. Afinal, o beijo rápido, protocolar, a nobreza obriga e o povo ficou satisfeito, começou a cantar, que Deus salvasse a rainha -não a rainha que estava lá dentro, de cara amarrada, mas a futura rainha, toda branca, parecia feita de espuma e neve.


Semana passada, houve um entupimento nos canais da televisão com filmes, documentários e programas celebrando os dez anos da morte da moça que, ao contrário da Inês cantada por Camões, nem depois de morta foi rainha. Parcela considerável da opinião pública considera que a mídia a matou, pagando fortunas aos paparazzi por fotos consideradas quentes e capazes de aumentar as vendas. Do bravo Antônio Rudge, que esperou um tempão para ter a foto dela beijando o marido, logo após o casamento, aos fotógrafos que a perseguiram pelas ruas de Paris naquele 31 de agosto de 1997, Lady Di foi mais cúmplice do que vítima da sociedade que quer saber "tudo" e de alguma forma paga para ser informada.


Um dos documentários exibidos na TV mostra Diana e seu mais recente namorado, no iate do pai de Dodi, naquele que seria o último passeio dos dois. De repente, o rapaz repara que estão sendo seguidos por uma lancha cheia de fotógrafos. Reclama de seus seguranças, responsáveis por sua privacidade: "Como foi que eles souberam do nosso passeio?". Moça honesta, Diana respondeu: "Fui eu que avisei".


Dois dias depois, no hotel Ritz, em Paris, ela e o namorado quiseram jantar fora. Tudo indicava que ele a pediria em casamento. Desta vez, não foi ela que avisou: os fotógrafos estavam lá, adivinhando que alguma coisa podia acontecer. A foto de Dodi colocando o anel de noivado no dedo de Diana valeria alguns milhões de dólares. Bem informada, a sociedade pagaria.


Folha de S. Paulo (SP) 7/9/2007