Na sexta-feira (6), Ailton Krenak tomou posse na cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras. Seu discurso, de improviso e cheio de humor, foi memorável. Para quem não o escutou, alguns trechos.
"Um povo sem cultura não tem o que dizer." "Predar uns aos outros é uma vocação primitiva do [Homo] sapiens, de querer levar vantagem, ganhar tempo, ganhar alguma coisa." "O sapiens predador não é um dinossauro. Ele é um sujeito simpático, gentil, que vai à praia, gosta de sorvete, de açaí com granola. Mas não pode disfarçar sua vocação predatória."
"Mario de Andrade disse, ‘Eu sou 300’. É uma pretensão. Eu não sou mais que um, mas posso invocar os 305 povos indígenas que, nos últimos 30 anos, passaram a dizer: ‘Estou aqui. Sou guarani, sou xavante, sou kayapó, sou yanomami, sou terena’." "A República tinha a ideia de que os indígenas iriam ‘evoluir para brasileiros’. Era como querer produzir coalhada em casa —põe os lactobacilos na tigela, joga leite, deixa dormir e aquilo vira coalhada. Ela achou que a gente ia virar coalhada."
"Todo mundo que escreve livros incríveis escutou histórias de alguém que não escreveu livros. A literatura que produzimos nos últimos 3.000 anos deve ter pelo menos 10 mil anos em que ninguém escrevia, só contava histórias." "Somos herdeiros de tempos imemoriais, de 6.000, 8.000 anos. É bom pensar no tempo dessa maneira, porque ficamos sem pressa, sem ansiedade. Evita que eu chegue aqui e diga, ‘Desculpem, estou tomando o tempo de vocês’. Seria incabível. É impossível tomar o tempo do outro."
"A princesa Isabel aboliu a escravatura. Abolir a escravatura não é abolir a escravidão. Quem dera fosse." "O Estado brasileiro está sendo demandado a pedir perdão por ter tentado matar o povo indígena. Mas pedir perdão depois significa muito pouco. O Estado pode matar e fazer guerra à hora que quiser. Não tem como pedir perdão."