Os diários de Katherine Mansfield e Virginia Woolf, hoje publicados em mais de vinte idiomas, revelam o difícil relacionamento que ligou as duas escritoras. Virginia, nascida em 1882 na Inglaterra, pertencia a uma nobreza intelectual de que o "Grupo de Bloomsbury" se transformou em voz e símbolo. Katherine era "colonial", da distante Nova Zelândia, onde nascera em 1888.
Ambas tinham problemas de saúde, ambas tendiam para o homossexualismo. Quando se encontraram, Katherine já passara por fases mais violentas no setor e Virginia ainda não se apaixonara por Vita Sackville-West. Quem tem medo de Virginia Woolf? Não Katherine, pois, no caso, era Virginia quem tinha medo de Katherine. Medo, ciúme, inveja - foram palavras que a própria Virginia usou em seu diário.
Katherine era tida como grande escritora; vinha mudar a literatura inglesa; trazia uma linguagem nova; representava um tipo diferente de mulher. No começo, Virginia parecia uma estreante perto da neo-zelandesa. Acham mesmo os biógrafos Antoni Alpers e Claire Tomalin que foi uma análise feita por Katherine ao livro "Night and day", de Virginia, que levou esta a buscar um novo caminho literário.
Para mostrar que Katherine também admirava Virginia, lá estão estas palavras constantes do diário da primeira (em 7 de abril de 1919): "Virginia, li seu artigo no `Modern novels'. Você escreve tão exasperadamente bem, tão diabolicamente bem."
Outros trechos de cartas e diários das duas, com opiniões diferentes, são hoje documentos que podem levar-nos a julgamentos mais próximos da verdade. Katherine morreria jovem (em 1923). Virginia desapareceria 18 anos depois. Vale a pena que se leia a reação de Virginia, em seu diário, à morte de Katherine.
Veja-se: "Diante da notícia, que sentir? Alívio? Uma rival de menos? Confusão por sentir tão pouco - e em seguida um branco e um desaponto, depois uma depressão que me deixou caída o dia inteiro. Quando recomecei a escrever, pareceu-me totalmente inútil escrever. Katherine não me leria mais. Katherine não mais era minha rival".
Mais abaixo, deixou Virginia registrada esta confusão: "Eu tinha ciúme do que ela escrevia - único escritor de quem tive ciúme. Isto me dava mais dificuldade em escrever para ela".
Ao longo dos anos que ainda viveu depois da morte de Katherine, muitas vezes voltou Virginia a citá-la, a rememorar encontros e frases, diálogos e silêncios. Em outra página de seu diário, deixou Virginia estas palavras, referindo-se a Katherine:
"Tenho o sentimento de que pensarei nela muitas vezes, em intervalos mais ou menos longos, durante o resto de minha vida. Tínhamos provavelmente alguma coisa de muito profundo em comum, que tenho a certeza não acharei em mais ninguém".
Katherine e Virginia tinham algo em comum, para ambas nada era mais importante do que escrever. Nada superava o ímpeto de juntar palavras e com elas criar um mundo, abrir um caminho, compreender as angústias, suportar as alegrias exageradamente fortes.
Amor, sexo, felicidade, saúde, posição simplesmente social, dinheiro - nada superava o sentimento, que as duas tinham profundamente, de cada uma ser intérprete de seu tempo e voz de sua gente.
O livro "Diário & cartas", de Katherine Mansfield, é uma apresentação da Editora Revan. Tradução de Julieta Cupertino, projeto gráfico de Cadu Gomes.
Tribuna da Imprensa (RJ) 10/4/2007