A acumulação de reptos e incidentes quanto à afirmação do nosso estado de direito questiona sobre o aprofundamento da democracia no quadro da nossa Constituição. Desponta, nesses últimos dias, a interrogação relativa ao cumprimento automático, pelo Legislativo, das cassações de mandato determinadas pelo Supremo Tribunal Federal. A Carta Magna é peremptória em afirmar, no seu artigo 2º, a essencial independência entre os poderes. Insiste o artigo 60 na absoluta irrevogabilidade do princípio, interditando, permanentemente, a proposta de emendas que alterem essa norma maior da Constituição de 1988. Mais ainda, define o procedimento dessa cassação, alterando, agora, inclusive, o § 2º do artigo 55, exigindo o voto expresso para esse desfecho. A própria renúncia do parlamentar não fica a seu alvedrio, como veio a pretendê-lo o deputado Eduardo Azeredo, suspendendo-se os seus efeitos até a sua declaração pela mesa da Casa a que pertencer o parlamentar.
As novas iniciativas do Ministério Público quanto ao julgamento do mensalão do tucanato, e, de fato, já à beira de prescrever-se, só fazem responder à convicção de uma quase que desforra cívica de que se teria investido o país após a multiplicação dos incidentes de corrupção trazidos à denúncia no último biênio. Na incriminação de Eduardo Azeredo, surgiria uma busca de simetria na culpabilidade dos sucessivos governos brasileiros, na vala comum de uma mesma constante predatória.
Ao mesmo tempo, o Judiciário hesita em concluir pela sua concertação manifesta e continuada do que representasse o crime de quadrilha. A tendência da mais alta Corte seria a da visão mais branda da ação dos mensaleiros, e é nesse mesmo sentido, corrigindo a ênfase excessiva das penalidades, que avançou o Ministério Público.
Falta à nossa Carta o instituto que contrapõe às procuradorias, como empenho do Estado, o tribuno do povo, trazendo às condenações o tempero da opinião pública. A criatividade com que hoje se aprofunda a nossa democracia sabe o quanto a verdadeira justiça se afasta da implacabilidade das penas e de sua gulosa retórica.
Jornal do Commercio (RJ), 7/3/2014