Quando Ricardo Ramos Filho, presidente da UBE, me comunicou: “Você acaba de ganhar o Juca Pato”, pensei: fake new. Depois que o Jair - aquele ET que nos desgoverna - descobriu o poder virulento das fake news, todos acreditamos que notícias boas podem ser ruins. Juca Pato? Por que eu? Como eu? Pensei, pensando: que bom! Só quem não conhece o prêmio da União Brasileira de Escritores olha com certo desdém. Aliás, desdém é atitude comum no círculo literário.
O Juca Pato não tem dinheirinho. Porém quando você olha para a longa lista que vem desde 1963, percebe que acabou de entrar para um grupo especial que tem Jorge Amado, Antonio Candido, Sérgio Buarque de Holanda, Alberto da Costa e Silva, José Mindlin, Lygia Fagundes Telles, Caio Prado Júnior (pai do Caio Graco, o primeiro editor que acreditou em mim), Antonio Callado, Rachel de Queiroz, até chegar a Renata Pallottini e Milton Hatoum. São mais de 50 figuras fundamentais. Sem esquecer dom Paulo Evaristo Arns, que faz falta enorme no panorama periclitante de hoje.
A entrega do Juca Pato aconteceu segunda-feira no auditório lotado da Biblioteca Mário de Andrade, agora dirigida por Josélia Aguiar, que, além de tudo, escreveu ótima biografia de Jorge Amado, premiada com Jabuti. Quando Ricardo Ramos Filho começou a falar, logo me vieram as tardes no jornal Última Hora na década de 1960, quando o pai dele chegava com a página de literatura pronta para ser diagramada. Ali começou a amizade de uma vida. Ricardo pai morreu cedo, em 1992, aos 63 anos. Por meio dele penetrei nesse clã descendente de Graciliano Ramos. Jurandyr Gonçalves e o Machadinho, professores de português no colégio em Araraquara diziam: “Leiam Graciliano para aprender a escrever. Vejam como esse homem não usa uma só palavra que você possa tirar do texto sem que ele perca o sentido”. Li, e ainda leio, “otrocentas” (como diziam alguns) vezes Vidas Secas e também Infância e Angústia, tão sartriano, antes de Sartre. Hoje, fico desesperado quando releio algum texto meu e vejo o que poderia ter eliminado.
Recebi alguns prêmios em minha carreira. O maior deles é recente, o Machado de Assis, em 2016, quando fiz 80 anos e a Academia Brasileira de Letras me concedeu pelo Conjunto da Obra. Lá em casa, um “curralzinho” abriga Jabutis que ganhei ao longo de décadas, todos queridinhos. O prêmio mais paradoxal me foi entregue em julho de 1976, o da Fundação Cultural do Distrito Federal pelo Melhor Romance do ano, Zero. No final do ano, a censura proibiu o livro e assim ficou três anos. Momentos de incongruências da ditadura militar. Essa que nunca existiu, segundo o Jair. Essa que ameaça voltar e vem nos comendo pelas beiradas, como se deve comer um mingau. Pois não é espantoso que os Beatles vieram para disseminar o comunismo? Espantoso retrocesso estamos vivendo.
A estatueta criada por Belmonte, figura histórica da ilustração e da caricatura no Brasil, estará por um tempo vigiando os Jabutizinhos. Depois virá para minha mesa de trabalho. Quando eu vacilar, olharei para ela e me lembrarei de gente como Sobral Pinto, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Alceu Amoroso Lima. Afonso Arinos de Melo Franco, Audálio Dantas, José Américo de Almeida, que também tiveram a estatueta em mãos e cuidaram para que o Brasil fosse democrático, lutaram pela liberdade de expressão, bateram-se contra a ignorância, o primitivismo, o esfacelamento da cultura.
Meus netos estiveram lá segunda-feira, Pedro, Lucas, Felipe e Stela me surpreenderam com um abraço e uma frase: “Vô, este ano só deu você e o Flamengo”. Sem humor, o que seria de nós?
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PS: Milton Hatoum deveria me entregar o Juca Pato, afinal ele o recebeu ano passado. Mas estava em Belo Horizonte lançando seu novo romance, Pontos de Fuga. Mas a carta que mandou para ser lida na abertura da noite significa o maior abraço que um escritor possa dar em outro. Gesto grandioso e generoso, comovente, amigo.