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Josué Montello

 

Morreu com Josué Montello o último escritor de uma geração que, na expressão de Oswald de Andrade, era os "búfalos do norte", que invadiram a Semana de Arte Moderna, deixando-a de lado para sustentar todo um período brilhante, talvez o mais fecundo, da ficção brasileira que se chamou o romance nordestino. Embora a sua temática fosse diferente daquela trabalhada por Franklin Távora, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, mais voltada para os problemas sociais e para a denúncia da seca e da miséria, Josué Montello seguiu a continuidade do romance citadino machadiano, e aqueles de seu tempo como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, Lima Barreto e tantos outros. Josué iria agregar uma temática nova, da reconstrução do tempo, vinculada à vida cotidiana do Maranhão, com livros extraordinários, o maior deles "Os Tambores de São Luís", que, com um século de atraso, é o magistral romance sobre a escravidão.


Josué Montello, dentro dessa linha, situa-se entre os maiores nomes da literatura brasileira de todos os tempos. Foi um operário da cultura, um trabalhador indormido da arte de escrever. Publicou mais de cem livros, abordando todos os gêneros literários, como poeta, teatrólogo, romancista, contista, jornalista, conferencista, memorialista, ensaísta, historiador. Seus estudos sobre Quixote e Machado são trabalhos memoráveis. Machado era sua devoção maior, e sobre ele escreveu e estudou tudo.


Em sua dedicação à cultura, foi um ativo militante. Fundou o Conselho Federal de Cultura, dirigiu durante muito tempo a Biblioteca Nacional, onde foi autor de seu projeto de reforma, fundou o Museu da República, foi embaixador na Unesco e presidente da Academia Brasileira, um dos mais jovens que ali tiveram assento e onde permaneceu durante 52 anos, dos 37 aos 88 anos, sendo o decano da casa.


Josué Montello também aliou à sua tarefa de escritor a de ter dedicado sua vida à causa da educação. Foi sempre professor e muito escreveu, viveu e participou da modernização do ensino e reformas educacionais.


Sua longa vida e obra criaram a aura de uma figura legendária e iconográfica da cultura brasileira de nosso tempo.


Tinha um saber enciclopédico e uma memória fotográfica. Eu sempre lhe dizia que ele sabia tudo e de tudo. Como historiador, conhecia como ninguém também nossa história literária. Bravo, tinha o gosto pela polêmica e não recusava quando atingiam as coisas em que acreditava. Vinha de palmatória na mão, mas sempre pronto para o terreno das pazes.


Homens como Josué Montello são obra do tempo. É preciso um trabalho secular, e por isso mesmo poucos aconteceram.


Mas o traço marcante e indelével de sua personalidade era o seu amor ao Maranhão, seu encanto, sua fascinação pela sua terra, que nunca deixou de ter um lugar de reverência em tudo o que escreveu.


Josué era uma convivência admirável. Meu amigo da vida inteira, tinha o gosto da conversa: viva, brilhante, erudita e afetuosa.


O Brasil perdeu um pedaço de sua paisagem cultural, e o Maranhão ficou menor com a sua morte. Eu, um amigo, parte da vida.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 17/03/2006