Na história e nos livros busquei a demonstração preclara de pátria. É rito de patriotismo conhecer o seu país. Andei muito e o conheço todinho. Também andei pelo mundo afora. É pouco o que não tenha visto e não há lugar algum onde tenha estado ou vivido, em que não me dominasse o sentimento do meu chão. Por mais que visse, sempre via Pernambuco.
Cada saudade era para mim hora de esquecer alguma mordida que sofri na minha terra. O confronto não existiu, pois, no máximo, havia lugar apenas para o contraste.
Já falei que Pernambuco é um pré-Brasil, mas é também panbrasileiro. Como explicar o pernambucanismo dos sergipanos Tobias Barreto, Silvio Romero, Gilberto Amado, dos cearenses Miguel Arraes, Delmiro Gouveia e Clovis Bevilaqua, dos paraibanos Zelins do Rego, Augusto dos Anjos, Assis Chateaubriand, dos alagoanos Pontes de Miranda, Estevão Pinto, Gilberto Marques Paulo e Jorge de Lima, do maranhense Graça Aranha, dos norte-rio-grandenses Olivio Montenegro, Syleno Ribeiro e Nilo Pereira, dos baianos Castro Alves e maestro Manoel Augusto, do fluminense Azeredo Coutinho, do paraense Inglês de Souza. Para só falar dos mortos, pois a lista dos vivos que se pernambucanizaram é lista longa. Falo de alguns: Eduardo Portella, João Carlos Paes Mendonça, José de Souza Alencar, Cussy de Almeida, Ariano Suassuna, Edmond Dansot, João Alberto, Paulo Sergio Scarpa, Carlos Trevi. Casos de empatia recíproca, como em relação aos estrangeiros: Janovitz, Andreotti, Dreschler, Shäefer, Lundgren, Béranger, Vauthier, Spieller, Boulitreau, Schlapriz. E nem precisamos mencionar a imensa, laboriosa e estimada colônia portuguesa, nem falar do Ovidio Gimenez, o espanhol argentino que responde por áureos patrocínios culturais em Pernambuco, de que é exemplo soberano a obra de recuperação da sede da Academia Pernambucana, nos anos 70.
Trata-se da mesma empatia que fez de Joaquim Nabuco, um fidalgo, encarnar-se como reformador social, sabendo amar o país por saber amar a sua província. E não apenas a sua pátria, mas as Américas ibérica e anglossaxônica.
Nabuco, que é como se costuma dizer a melhor rima para Pernambuco, integra aquela linha libertária de Pedro Ivo e de Frei Caneca, de Nunes Machado e de José Mariano, irrompendo na vida pública naqueles tempos tidos por Silvio Romero como o “grande decênio”.
Exorto aos pernambucanos a festejarem o seu centenário no ano vindouro em alto estilo. Ninguém, até hoje, no parlamento nacional compareceu com discursos mais veementes no apelo à transformação política e às reformas revolucionariamente sociais e econômicas, como Nabuco.
Vejamos como narra o que representou seu ingresso numa Casa Legislativa:
“Foi um ano de atividade e de expansão único em minha vida, esse de 1879, em que fiz a minha estreia parlamentar. Posso dizer que ocupei a tribuna todos os dias, tomando parte em todos os debates, em todas as questões... O favor com que era acolhido, os aplausos da Câmara e das galerias, a atenção que me prestavam, eram para embriagar facilmente um estreante... Como hoje seria diverso, e quanto tudo aquilo está desvalorizado para mim como prazer do espírito! Hoje é a gota cristalina que mana da rocha do ideal - fonte oculta que todos temos em nós - e não os grandes chafarizes e aquedutos da praça pública, que única me desaltera.”
Quando da campanha abolicionista as virtudes do combate ficaram-lhe ostensivas. E foi ele, como convinha, quem trouxe à tribuna parlamentar, ao centro político por excelência da vida nacional, o inconformismo por haver negros escravos.
E quando tudo lhe pareceu, no advento republicano, um caminho ao ostracismo, o político que não cuidara de liderança partidária nem do seu domínio prático, usufruiu do quanto lhe estava aberta a satisfação pelas impressões estéticas da vida.
José Veríssimo acreditava que a Nabuco não satisfaziam os temas puramente literários. O mesmo pensou Hermes Lima. Daí, talvez, a emoção tê-lo feito escritor político, de que Minha formação dá uma estupenda idéia. Dessa fase vêm seus melhores livros, todos pertencentes ao domínio obrigatório da cultura brasileira.
Bernanos disse que Deus ao criar os escritores já sabia as obras que deveriam produzir e contas lhe seriam cobradas, se negligentes, se omissos.
Nabuco não foi cobrado. Não se omitiu, não foi negligente.
Jornal do Commercio (PE), 12/11/2009