Os jornais vivem dando notícias de opiniões estrangeiras sobre o Brasil. Conferimos enorme relevância a essas opiniões e muita gente costuma mudar as suas próprias, ou as absorvidas antes, em favor das últimas importadas. Não passa dia sem que os jornais publiquem pelo menos umas quatro matérias sobre opiniões estrangeiras a nosso respeito, não contando as das áreas financeiras, que, adicionadas às outras, deixam qualquer um maluco. Fogem-me exemplos agora, mas todo mundo já viu, a não ser que tenha prudência suficiente para não ler páginas econômicas. Ocupamos o segundo lugar no mundo em enfiar o dedo no nariz em público, precedidos somente pelo Gabão. Em compensação, somos um honroso 34 numa lista dos que coçam os fundilhos também em público, superando a própria Dinamarca, onde oito em cada dez cidadãos se entregam à reprovável prática, principalmente no inverno, pois banho não é um costume assim muito arraigado na Europa. E por aí vamos, em perpétua avaliação do nosso comportamento, acompanhando com atenção o que diz o famoso Primeiro Mundo sobre o nosso país e sobre nós mesmos.
Houve até um debilóide da pátria (pátria lá dele), se não me engano francês, que disse que o brasileiro tinha um comportamento infantil e não progredia porque aqui usamos o primeiro nome para chamar as pessoas, e não o sobrenome, como é apropriado. Esqueceu-se, por exemplo, dos Estados Unidos, onde desde presidentes de empresas a presidentes da República são chamados por apelidos de infância (cartas sobre como eu devia usar "alcunha", em vez de "apelido", para o editor, pelo amor de Deus) e até se assinam assim e são conhecidos assim nos livros de história. Como o predecessor do atual, cujo nome no momento me escapa e deve estar escapando ao atual também e Teddy Roosevelt, por exemplo. O jornal deu a notícia com toda a seriedade e até hoje deve haver um par de oligós por aí, achando que é isso mesmo e é por essas e outras que não vamos para a frente.
Não sei mais o que li hoje a respeito do Brasil visto pelos gringos, mas me lembro de uma coisa que, pelo menos para mim, é novidade. Saiu um estudo, desta vez inglês (ou francês mesmo, ou belga, ou polonês, para mim é tudo a mesma coisa, como nós para eles; é a postura mais sábia e correta, que atingi depois de longos anos de experiência e reflexão e, além de tudo, é imitada deles), mostrando que o brasileiro é o povo mais ciumento do mundo.
Alguma fundação deve ter dado uns cem milhões de dólares para os pesquisadores desenvolverem um ciumômetro, que, quando aparecer aqui, receberá o nome de cornômetro mesmo (o brasileiro também é o povo mais espirituoso do mundo, deve ter alguma pesquisa aí provando isto), chegou a essa contundente conclusão. Somos o povo mais ciumento do mundo. Pensando bem, isso tinha que ser a conclusão, num lugar onde a mulher do príncipe herdeiro se chamava lady Di, segundo ouvi, porque daiva (desculpem) com certa generosidade, sem provocar nenhum ciúme, enquanto seu real esposo alimentava a fantasia de ser o OB de uma outra senhora igualmente aristocrata inglesa.
Mas quem ganhou foi o japonês. Japonês, diz aqui, não tem ciúme. Ou praticamente não tem. Várias razões, a maior parte delas impublicável, me levam a imaginar por quê. Mas uma ou duas eu posso expor aqui. Nunca vi um casal japonês transando, como, aliás, não vi de nenhuma outra nacionalidade, mas imagino que um dos fatores principais seja o número de curvaturas que um tem de fazer ao outro a cada passo dos jogos copulatórios. Quando chega a vez de ela descobrir a bandeja do chá, ele já está precisando procurar um compatriota famoso por consertar colunas vertebrais desconjuntadas, eis que sempre há um famoso especialista japonês em coluna, talvez por isso mesmo. E também pode ser que o japonês tenha de apresentar tantos documentos de identidade para provar que não é o vizinho que acabem cansando e deixando para amanhã.
Existe - e vou apresentar esta idéia de forma que imagino aceitável pelo meu numeroso público de senhoras respeitáveis - outra coisa, que faz os japoneses não serem ciumentos. Em primeiro lugar, não adianta mostrar fotos, porque o enganado não vai distinguir se quem está ali é ele mesmo ou o Fujiru, ou até o Matsumoto do supermercado da esquina. Em segundo lugar, eles não podem enfrentar, por incapacidade congênita, vários testes já desenvolvidos pelos ciumentíssimos brasileiros, como o teste de D. Odete - nomes trocados daqui por diante para proteger inocentes, e inocentes já finados. D. Odete, nossa vizinha lá na Bahia, todo fim de tarde botava Seu Augusto na banheira cheia de água, de barriga para cima. Se boiasse (pois é, se boiasse aquilo que no ex-presidente Collor nasceu roxo), sinal claro de que Seu Augusto tinha andado prevaricando, com graves conseqüências para seu repasto noturno e a atribuição de alguns epítetos pouco lisonjeiros. No Japão, não dá, porque, dizem aqui os que entendem do assunto, lupa custa muito caro por lá.
Alguns ingênuos talvez creiam que os japoneses - parece que somente eu leio estas coisas, mas li mesmo - não são tão pouco ciumentos, porque foram os inventores das cuecas e calcinhas detectoras de transa. Na presença de qualquer mililitro de, digamos, humores libidinais, a calcinha mancha irremediavelmente, o mesmo fazendo a cueca. Nada desse negócio antiquado daqui, batom na cueca, lábios inchados e avermelhados, de tanto beijo saca-rolha, essas coisas, tudo recurso de povo atrasado. Eles devem fazer essas cuecas e calcinhas para exportar. Vale para eles a Venerável Sabedoria Oriental, já de muito conhecida pelos velhos sábios, inclusive em Itaparica.
Ciúme nunca adiantou coisa nenhuma, pelo menos quanto ao homem. A Verdade milenar é: "Água morro abaixo, fogo morro acima e mulher quando quer dar ninguém segura." E a Verdade é a Verdade, duela a quién duela.
O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em 13/07/2003