Miguel Gustavo foi o mestre dos mestres em matéria de jingles comerciais. Para um tipo de café em pó (não sei se ainda existe), ele fez uma obra-prima: "Já no tempo dos barões, era servido nos salões". Era marca citada em crônicas e romances do século 19, atravessou todo o Império, passou para a República e, nos anos 60 do século 20, mereceu o jingle antológico.
São numerosas as práticas (consideradas novas, provocadas pelo nosso tempo e pelos nossos costumes) que já eram servidas nos salões no tempo dos barões. E bota barões nisso. Lembrei, em crônica recente, o suborno pago por Jacó a Esaú. Não eram barões nem tinham intimidade com parlamentares, banqueiros e doleiros, que não deviam existir naquela época. (É uma opinião pessoal, sujeita às chuvas e trovoadas dos desmentidos).
Um irmão subornou o outro com um prato de lentilhas. Ignoro qual seria o valor de mercado das lentilhas naquele tempo. Não devia ser muito. Na feira livre aqui na Lagoa, não dá para arrombar.
Corrupção, suborno, tráfico de influência e nepotismo atravessam os séculos sem interrupção, impérios se formaram, dominaram o mundo, se trumbicaram e sumiram da história sempre ao custo de trambiques iguais ou piores.
Não desdenho a indignação e o estupor causado pelos escândalos agora revelados. Indignação e estupor que, aos poucos, se estão diluindo, uma vez que a tropa de choque do governo teve tempo para se organizar e articular uma espécie de "deixa disso", na base de que o transparente e ético de hoje pode ser o corrupto de amanhã.
Já no tempo dos barões e nos salões respectivos era assim. Quando o filho de Vespasiano foi reclamar do imperador o imposto sobre as latrinas de Roma, dinheiro que ia para as despesas da corte, recebeu a clássica resposta: "Pecúnia non olet". O vil metal, que santo Agostinho chamou de excremento do demônio, só fede em bolso alheio.
Folha de São Paulo (São Paulo) 15/10/2005