Os detalhes de bastidores da votação da Câmara que acabou derrubando as contrapartidas do projeto de renegociação da dívida dos Estados mostram bem a falta da coordenação política do governo no vácuo deixado pela saída de Geddel Vieira Lima e o impasse para a indicação do novo ministro da coordenação política, onde há um ministro já anunciado, Antonio Imbassahy do PSDB, mas inviabilizado até o momento pelo movimento de diversos pequenos partidos dentro do Centrão.
Na verdade, a rebelião no plenário, que fez surgir uma maioria esmagadora formada pela base aliada e a atual oposição, liderada pelo PT, teve objetivos diversos que se combinaram. Havia quem estivesse insatisfeito com a maneira como o assunto estava sendo negociado, pois a sensação generalizada era de que o governo federal e os governos estaduais queriam usar os deputados como bucha de canhão para aprovarem medidas duras de reajuste que eles não queriam assumir, ou, como no caso do governador Pezão do Rio, não conseguiu aprovar na Assembléia Legislativa.
Havia quem quisesse, sendo oposição no seu Estado, deixar a bomba na mão dos governadores. E havia a inconformidade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com a atitude do ministro da Fazenda Henrique Meirelles que, ao sentir que o projeto original não seria aprovado, enviou ao plenário seu secretário-executivo, Eduardo Guardia, que negociou diretamente com o líder do governo André Moura para tentar esvaziar o plenário e inviabilizar a votação.
A derrota foi também dos governadores mais necessitados de medidas de contenção de gastos, como Pezão do Rio, Pimentel de Minas e Sartori do Rio Grande do Sul, que agora terão que negociar separadamente as contrapartidas com o ministério da Fazenda. Ao contrário do que parece à primeira vista, o projeto aprovado é meramente autorizativo, e somente com a apresentação de um plano de contenção de gastos é que os governos estaduais se habilitarão aos novos termos da renegociação.
Como a situação dos estados não é homogênea, e até mesmo existem os que estão com as contas equilibradas, o que aconteceu no plenário da Câmara na quarta-feira foi uma união suprapartidária de interesses corporativos regionais e atuação de contestação a governos estaduais e ao governo federal, que desembocaram na votação acachapante contra o governo.
O governador do Espírito do Santo Paulo Hartung, um dos que tem as contas equilibradas, disse ontem que o presidente Michel Temer deveria vetar o projeto aprovado, para a renegociação voltar à estaca zero, como uma medida pedagógica para os Estados que não fizeram o dever de casa.
O deputado tucano Marcus Pestana era Secretário de Planejamento de Minas na renegociação das dívidas dos Estados em 1997, no governo Fernando Henrique. Ele lembra que naquela época as negociações foram feitas separadamente por cada Estado, com o governo tomando uma série de medidas para equacionar a dívida e tirar os cadáveres do armário, impondo restrições aos Estados, até a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, que, na sua opinião foi sendo corroída com muitas válvulas abertas nas contas estaduais com o tempo.
O governo federal precisava ter uma autorização legal para renegociar os contratos, mas todas as condicionalidades, exceto a do teto dos gastos, que foi incluída no projeto, cada estado terá que negociar com o ministério da Fazenda. Os governadores queriam que o projeto do Senado, sugerido por eles, fosse aprovado, porque assim teriam uma desculpa para impor as restrições que as assembléias não estão autorizando.
O texto diz que os governadores agora têm que apresentar um programa de recuperação fiscal, que a Fazenda pode aceitar ou não. O que ficou claro é que o governo Michel Temer precisa nomear urgentemente um coordenador político que tenha poderes para exercer a função, inclusive porque casos como esses tendem a se repetir.
O momento de crise econômica grave gera fatores de ingovernabilidade, fragmentando as ações políticas em torno de interesses corporativos e até mesmo pessoais, num quadro partidário acossado pelas revelações da Operação Lava Jato, em que cada individualidade se sobrepõe ao coletivo, num salve-se quem puder.