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Informação e ditadura da suspeita

 

Crise, aliás , pseudocrise, ou crise nascida da credibilidade da crise? Até onde, nessa pergunta, já estamos diante inclusive das sentenças mediáticas, em que se plasma uma opinião pública por sobre a espontaneidade das convicções-cidadãs? Não é outro talvez o problema mais grave da dita democracia profunda, hoje em debate na ONU. Farão os meios de comunicação o deslinde entre a absoluta isenção no informar e o dar à mesma a interpretação, ou o comentário, como se espera do veículo que a porta?


Nessa linha de frente, está entre nós a Folha, no pioneirismo com que criou o instituto de ombudsman e mereceu Marcelo Beraba, agora, o seu reconhecimento internacional. Mas estamos no começo da consciência-cidadã, a defender o quanto o patrimônio público a que se refere a Carta Magna não só envolve a preservação dos bens históricos ou da integridade da natureza mas a garantia de que o universo da informação mantenha seu suposto de verdade. É esse o primeiro dos patrimônios públicos.


É só agora que começam a despertar as ações populares, garantidas pela Carta do dr. Ulysses, para assegurar a limpeza do duto da mídia como veículo do fato, antes de lhe emprestar o comentário, a versão ou o viés da crença.


Está-se, por exemplo, diante desse suposto da democracia profunda quando circulam, deliberadamente, como informação, frases, como foi o caso da suspeição de Gilberto Carvalho no caso Celso Daniel, de juízes condenados por peculato e de notórios repentistas da mentira? Ou quando, repetidamente, ganham manchetes declarações que retornam sempre aos ditos de um morto e ao nó górdio de todas as dúvidas?


No quadro da grande cidadania, o Primeiro Mundo, este que vem de premiar a Folha, criou, dentro do seu próprio circuito de consciência institucional e a partir de seus consensos, a triagem não só entre o que é fato e opinião. Mas, sobretudo, distingue o que tem o indiscutível critério de verdade, para merecer a circulação mediática e a indústria dos abates de imagem na manipulação da credibilidade da informação.


A derrubada de José Dirceu ratifica, de forma inquietante, a ditadura da opinião sobre os fatos. Foi a cutelo, em completa falta de provas, tão-só obedecendo à lógica das conveniências, com que se cumpre sua pretendida solução das crises, em um toma-lá-dá-cá entre governo e oposição. Na seqüência da cassação, nasceu um mal-estar difuso em que dói uma consciência cívica mais funda. Se há culpabilidade petista, que se a apure à luz de evidências. Tal como um Brasil de fundo mantém a credibilidade em quem elegeu estrondosamente há três anos. O governo é diferente enquanto, de fato, se vincula ao país dos desmunidos, que nele votou, que não está preocupado com as denúncias de Roberto Jefferson e que acredita na lógica da mudança, assentada na crença do "Lula-lá" e do enorme investimento simbólico da vitória de 2002.


Nada mais melancólico que o relatório de Abi-Ackel, dando fim inglório à CPI do Mensalão. Talvez, quem sabe, haja culpados, repete, mas não pode indiciar ninguém por falta de provas. O que começou com todo o estrépito da suspeita continua, sonâmbulo, na ribalta dos inquisidores e acaba na água de barrela - no constrangimento e no pigarro das CPIs -, a autorizar o anticlímax das futuras conclusões.


A desmoralização do denuncismo, de toda forma, pode ser o saldo da crise, ou pseudocrise. É inseparável do repúdio, pela consciência-cidadã, da informação manipulada e sua conseqüência mais grave para o avanço da democracia profunda. Ou seja, a distância entre opinião pública e formação da consciência popular pela sofreguidão mediática.


As obsessões pelo impeachment descartaram a própria verossimilhança, transformando o dinheiro de Cuba nas clássicas suspeitas do "ouro de Moscou". O valerioduto jorra simetricamente entre tucanos da mais alta estirpe e petistas da mais ilibada reputação. A liderança do PSDB só pode sair do empate da abominação propondo o inquérito segregado, fora de todo micróbio petista. O caixa dois dos bons separa o trigo mineiro do joio poluído do ABC.


A impaciência do relator Serraglio é a de quem sabe que tem de bater em martelo diante dos impasses em distinguir ou poupar um abuso generalizado do poder econômico no quadro político em que os indigitados "mensalões" repetem e modernizam o nepotismo da República Velha e as clientelas que ainda povoam no atual Congresso Nacional o baixo clero e seus Severinos.


Acordões sempre é o que pede o sábio laxismo do sistema. Exorcismos, claro, por cassações empatadas. De que fatalidade vem o abate de José Dirceu? A da crise de sempre, que não faz mal a ninguém, ou da pseudocrise feita crise, para de vez abalar a lógica da mudança e o a-que-veio o partido diferente?




Folha de São Paulo (São Paulo) 3/1/2006