Nos arraiais acadêmicos é comum discutir os limites do que chamamos de “politicamente correto”. É claro que as opiniões são sempre divergentes, como é natural num regime democrático. O que ninguém de bom senso duvida é que se deve proteger as crianças de cenas indecorosas. Elas não levam a uma formação adequada, sobretudo quando exibidas pela televisão.
Não existe, na centenária história da Academia Brasileira de Letras, nenhum episódio que deslustre o seu alto apreço pela liberdade de expressão. Foi assim com Machado de Assis, o primeiro presidente, e tem sido sempre uma constante, até chegar a Ana Maria Machado, a segunda mulher a presidi-la, que mantém intangível essa tradição.
Agora, equívocos foram divulgados como se fossem verdades, a respeito da conferência sobre amor, sexo e pornografia, do professor Jorge Coli, da Unicamp. Armou-se um circo para proclamar que, ao suspender o site da ABL, no início da palestra, os seus dirigentes tinham apelado para a censura – e isso naturalmente provocou protestos.
Só que inverteram os fatos e o que ocorreu pode ser resumido da seguinte forma: o conferencista alertou a plateia sobre pornografia e a impropriedade para 18 anos do que iria apresentar a seguir. Depois vieram as fotos da notória Cicciolina, seguida de cenas da genitália masculina e atos de felação. O quadro de Courbet, com a genitália feminina, jamais foi censurado, pois quando apareceu no auditório o site já se encontrava fora do ar, pelas razões expostas.
Agiram bem os responsáveis pela Academia, pois as cenas apresentadas, no horário das 19 horas, eram incompatíveis com o que preceituam o Estatuto da Criança e do Adolescente e também o Código Brasileiro de Radiodifusão. Vale frisar que a conferência, para cerca de 200 pessoas, no auditório R. Magalhães Jr., seguiu o seu curso, sem qualquer interrupção. O que se suspendeu foi o site, depois das cenas descabidas num horário em que muitas crianças se aproveitam dos benefícios da rede social.
Fica evidente que o quadro do século XIX em nenhum momento foi censurado, como insistentemente proclamaram diversos jornais do país, criticando o que seria uma violência cultural da Academia Brasileira de Letras. A imprensa não se interessou pela explicação oficial da ABL, colocando os fatos em seus devidos lugares, o que representa uma clara demonstração de inequívoca intolerância.
A mentira não pode ser o ponto de partida de uma grande celeuma. Inclusive porque envolveu, nas críticas ferozes, uma instituição exemplar, que ao longo da vida tem dado provas de apreço à liberdade de expressão, acolhendo acadêmicos das mais variadas tendências ideológicas. No dia em que o assunto foi debatido, no plenário, Ana Maria Machado teve o cuidado de exibir as cenas chocantes. Eram impróprias para menores e também para maiores de bom-gosto.