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A impossível arte de prever o futuro

 

Quando começou a atual crise econômica, o presidente Lula fez um bem-humorado pronunciamento, usando uma expressão que desde então tem sido repetida, sempre com ironia, pelos comentaristas: nos Estados Unidos, disse Lula, a crise pode ser um tsunami, mas aqui no Brasil chegará como uma marolinha.


Esta marolinha revelou-se desastrosa. Não chegou ao nível do “relaxa e goza” com que a ministra Marta Suplicy comentou a crise aérea de tempos atrás, e que, em matéria de desastre, só foi ultrapassado pelo “É casado? Tem filhos?”, grosseira insinuação destinada a aniquilar Kassab, que teve, contudo, efeito inverso. No caso da afirmativa de Lula, o que tivemos foi apenas um prognóstico equivocado.


Prognóstico é coisa difícil. Meteorologistas e os médicos disso dão testemunho. Ambas as categorias recorrem à ciência e à tecnologia para fazer previsões: imagens de satélites, exames diagnósticos. Mas erros são inevitáveis. No caso da meteorologia porque, parafraseando Shakespeare, há mais coisas entre o céu e a terra (nuvens, principalmente) do que imagina a nossa vã filosofia. No caso da medicina, porque biologia não é matemática. Uma solução é recorrer à estatística: as chances de chuva são de 30%; se, apesar das esplendorosas imagens de satélite, cair um toró, a culpa é dos 30%. A medicina, sobretudo nos Estados Unidos, tenta um recurso semelhante: “As chances de cura são de 53%. Se o senhor usar o medicamento X, as chances aumentam para 60%, mas há 72% de possibilidades de efeitos secundários, inclusive letais...” Em outras palavras: você decide, você participa no processo de prognóstico e portanto você assume a responsabilidade.


Muitos pacientes preferem o modelo antigo, no qual o médico, numa atitude que hoje muitos qualificariam como autoritária, dizia para a pessoa o que ela tinha de fazer. E muitos médicos gostavam disso. Talvez por onipotência, mas também por causa daquela ansiosa compaixão que historicamente acompanha aqueles que cuidam dos outros. Os doutores queriam poupar ao paciente a dúvida, a angústia.


Podemos supor que o mesmo deve ter acontecido com Lula. Pretendia poupar os brasileiros dizendo algo como “não se preocupem, o prognóstico é bom”. A isto talvez se acrescentou o “wishful thinking”, o pensamento desejoso: a pessoa prevê aquilo que ela quer que aconteça. No caso da política – outra área na qual, enquetes à parte, o prognóstico é muito incerto – isto é quase inevitável.


Emerge daí uma lição. Não podemos nem tirar o corpo fora, ocultando-nos atrás de números frios, e também não podemos proteger as pessoas a qualquer preço. A solução está, como a Avenida Protásio Alves, no Caminho do Meio. Como é que a gente chega a esse caminho? Vivendo e aprendendo. Entre o tsunami e a marolinha, está a verdade. A experiência, e os erros, nos ensinam a descobri-la.


***


Fogaça tem razão: num sentido, as eleições terminaram empatadas – na grandeza que ele e Maria do Rosário demonstraram. Mais uma vez, o RS deu uma lição de maturidade política.


Zero Hora (RS) 28/10/2008

Zero Hora (RS), 28/10/2008