Imaginem, diz ele, um mundo sem fronteiras, sem ódios religiosos, sem propriedade privada, sem ganância, sem fome
Se há uma palavra - e uma canção - que servem para evocar John Lennon, essa palavra é "Imagine", que, por coincidência, tem exatamente o mesmo sentido em inglês e português: um convite a devanear, a liberar a imaginação. E que, ao mesmo tempo, nos faz imaginar o cantor e compositor estupidamente assassinado naquele 8 de dezembro de 1980, quando recém havia completado 40 anos.
Quarenta anos atrás estávamos em 1968. Um ano que marcou a história da humanidade; um ano que, como diz o grande Zuenir Ventura no título de um livro já clássico (e que está sendo reeditado: não percam), não terminou. De certo modo continuamos vivendo 1968 e exatamente por causa do 40º aniversário vamos falar muito dele nos próximos meses.
Começaremos lembrando maio de 1968 na França, o ano da surpreendente rebelião, o ano em que os estudantes tomaram a cidade de Paris exigindo mudanças. Mais de 10 milhões de pessoas, jovens em sua maioria, tomaram as ruas, num movimento que começou quando estudantes da Universidade de Nanterre, liderados pelo então lendário Daniel Cohn-Bendit, foram expulsos por protestarem contra a Guerra do Vietnã. As universidades foram aderindo, inclusive a lendária Sorbonne. Slogans cobriam as paredes: "Seja realista, peça o impossível", "É proibido proibir" e, sobretudo, "Todo o poder à imaginação", expressando, de novo, o apelo mágico da palavra "imaginação". A agitação estudantil propagou-se pelo mundo inteiro e chegou ao Brasil, estão sob a ditadura militar. O governo não hesitou e proclamou o Ato Institucional número 5, restringindo ainda mais a liberdade de expressão e de reunião.
O ano de 1968 também foi decisivo para os Beatles e sobretudo para John Lennon. Naquele ano, os quatro rapazes de Liverpool resolveram tornar-se um grupo eminentemente profissional e fundaram a sua própria gravadora, a Apple Records. Em 1968 estreou o filme deles, Yellow Submarine. Mas foi também em 1968 que Lennon começou a viver com uma artista plástica chamada Yoko Ono, ainda hoje execrada por muitos fãs do quarteto, que vêem nela uma manipuladora que procurou tirar o máximo proveito da fama do marido. Outros dizem que é preconceito pelo fato de Yoko ser oriental e que, na verdade, ela estimulou John a ter uma atitude engajada na problemática social. De fato, a lua-de-mel de ambos (num hotel da cadeia Hilton, no ano seguinte) foi um verdadeiro happening: permaneceram na cama por uma semana, recebendo a mídia das nove da manhã às nove da noite e fazendo pronunciamentos contra a guerra. Ainda em 1968, Lennon devolveu ao governo inglês uma condecoração que tinha recebido, como protesto contra o apoio que a Inglaterra dava aos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Certamente nessa época começou a nascer Imagine, lançada em 1971, um ano depois que os Beatles chegaram ao fim.
Como os rebeldes de Paris, John Lennon pede, em Imagine, que demos todo o poder à imaginação. Imaginem, diz ele, um mundo sem fronteiras, sem ódios religiosos, sem propriedade privada, sem ganância, sem fome. Ou seja: a utopia na pauta musical. Será que John Lennon acreditava nisso? Ele não era totalmente avesso ao dinheiro; confessava candidamente que queria ficar rico. O edifício no qual morava e diante do qual foi assassinado, o Dakota, é daqueles prédios tradicionais de gente rica em Nova York. Como seria hoje o sexagenário John Lennon? Um rebelde, um milionário ou um milionário-rebelde?
Na frente do Dakota há um pequeno monumento em homenagem a John Lennon. Nele, uma palavra só: "Imagine". É mais que suficiente. O resto é silêncio.
Zero Hora (RS) 10/2/2008