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Imaginário democrático e diálogo universal

 

A XXIV Conferência da Academia da Latinidade, que vem de se realizar em Hammamet, nas cercanias de Túnis, coloca o problema fundamental de saber se ainda se mantém um verdadeiro diálogo internacional, diante da emergências das "guerras de religião", da permanência do terrorismo e, sobretudo, como mostra a "primavera árabe", da ameaça do advento, após as ditaduras do Oriente Médio, de um inquietante fundamentalismo islâmico.

O que se busca é saber até onde a democracia pode ser, ainda, o possível universal de entendimento, na garantia-limite das diferenças, num mundo que rumaria para a globalização, perdendo a identidade do outro, submetido à crescente hegemonia da opinião pública e ao sufoco do dissenso coletivo. Os paradoxos desses dias começam, nos próprios Estados Unidos, pelo radicalismo da direita republicana, a partir do Tea Party e da volta ao questionamento dos direitos de cidadania às suas minorias muçulmanas.

Da mesma forma na Europa, e a partir do governo alemão, deparamos as novas limitações à imigração africana e do Oriente Médio, levantando os possíveis riscos de um multiculturalismo, tal como, inclusive, avançaria o primeiro-ministro Cameron, na Inglaterra. Mas o paradoxo maior vai aos contrarresultados da dita "primavera árabe" e da promessa da democracia nascida da queda das ditaduras na Tunísia, no Egito e na Líbia.

As constituições emergentes em Túnis eliminam o laicismo e levam aos primeiros protestos das mulheres quanto às limitações pressentidas de seus direitos, desde a imposição do véu. E os partidos religiosos, a partir do Egito, apontam a possíveis teocracias, no vulto já pressentido com que a Fraternidade Muçulmana se transformará no partido claramente dominante após as eleições. Mais inquietante é que, desde agora, o governo da transição líbia indica, quaisquer que sejam as opções políticas subsequentes à torna à Sharia e da religião de Estado como nova matriz institucional.

A democracia vai a esse repto-limite, na sua resposta à contemporaneidade, para além das práticas eleitorais e de uma legitimação do domínio das maiorias. Aí está a irrupção, no cerne europeu, como nos Estados Unidos, das "assembléias dos indignados" da Porta do Sol, em Madri, ou da Praça Catalunha, em Barcelona, até Wall Street, pondo em causa a superação da própria democracia representativa, na expressão do dissenso de nosso tempo.

 Depara-se a explosão nova de um sentimento de inconformidade que vai ao inconsciente coletivo, pensável há décadas, contra a ditadura invisível da máquina midiática sobre a opinião pública. E, de pronto, a tenaz ocupação de Wall Street atinge a crítica do próprio modelo capitalista dos senhores do mundo ocidental. E é o próprio imo da nossa cultura democrática que vai, hoje, contra as presunções representativas, trazer à praça pública o irrestrito direito ao protesto.

 A Conferência de Hammamet quer ser uma primeira interrogação de como o direito à diferença se transforma num primeiro requisito de um mundo que se queira, de fato, a conquista da convivência, impedindo que a alteridade se possa, de vez, transformar-se num "medo do outro".

Jornal do Commercio (RJ), 9/12/2011