O coloquial exuberante do Papa Francisco cumula os impactos sobre a sua visão de Igreja na força de seus alertas, mais, inclusive, do que de sua pregação. Na virada de página, quer uma Igreja liberada do clericalismo, tal como proclama, em toda uma marca inédita de modernidade, que a Igreja "não é uma ONG". Sobretudo, o recado apregoa o escândalo do Cristo, a nos guarnecer contra todo o quietismo religioso. Não poderia ser mais incisivo na defesa do pluralismo cultural, e seu clamor, mais que repetido, pelo diálogo superou, de muito, os seus reclamos sobre a injustiça social.
Para além do reconhecimento do clima de protesto social destes dias, Francisco insiste sobre um compromisso político e, mais ainda, na defesa inédita, nestas últimas décadas, da democracia. É em função dela que fala no compromisso com o concreto, na Igreja dos "sinais dos tempos". Talvez, nessa meta-abertura, não tenha insistido sobre o conteúdo da doutrina, mas na solidariedade interreligiosa, numa pregação muito menos sobre os interditos do que sobre a busca árdua da esperança de cada dia.
Neste enlace de uma Igreja no tempo, e na valorização de seu laicato, veio à menção explícita ao Dr. Alceu Amoroso Lima. Ao debruçar-se sobre a nossa realidade cultural e a busca da máxima abertura, não abordou o repto do evangelismo entre nós. Mas pediu a Leonardo Boff que lhe remetesse seu último livro. Fica a interrogação - sempre a bem da nossa resposta aos "sinais dos tempos" - à ausência de resposta ao extraordinário documento sobre a teologia da libertação que lhe enviou Dom Pedro Casaldáliga. Não se trata do revisionismo de um corpo doutrinário, mas de uma sequência à vastidão deste reencontro do pensamento religioso com o Vaticano II.
Quer Francisco encontrar a prospectiva pastoral, mais do que a de lógicas históricas peremptas, do que continua como o contributo mais expressivo da América Latina para o nosso "ser-no-tempo" de cristãos. E já, avistado que seja como "substância do futuro" - e o Papa insiste no recado -, impõe-se a ação contra os comodismos da fé, em favor de um novo dinamismo da esperança. O cocar que o Papa pôs à cabeça não é um ponto fácil de partida, mas o da plena maturação de uma Igreja que chegou à "humildade da fé" e sabe do irrecorrível da sua virada de página.
Jornal do Commercio (RJ), 2/8/2013