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A hora de pagar

 

Certa vez,li as revelações de um ex-deputado que teria recebido o auxílio de alguns milhares de dólares para a sua campanha eleitoral. Através de telefonemas gravados, ficou revelada a mecânica dessas contribuições.

 

O candidato ao Congresso queixava-se ao seu maior, no caso o candidato à Presidência, de que estava sem verba para azeitar a sua própria campanha, que garantiria 30 mil ou 40 mil votos para a eleição do novo presidente da Repúbüca. Recebeu a promessa de uma ajuda. Dias depois, o tesoureiro-chefe do partido comum, o indestrutível homem da mala, discutiria o "quantum", estabelecendo as prestações semanais, fazendo uma única exigência: o destinatário deveria procurar um empresário de multinacional para agradecer a colaboração, mas sem entrarem "detalhes".

 

Tudo feito à risca, o candidato agradeceu os dólares e os recebeu a tempo de lubrificar a própria campanha. Da dívida ficou a dúvida: ele, candidato, recebeu a doação de alguns milhares de dólares, agradeceu "sem entrarem detalhes"e logo suspeitou de que estava agradecendo a doação de 1 milhão de dólares, embora só tenha recebido 100 mil.


Com pequenas variantes de "detalhes", verifica-se que todos os candidatos, ou ao menos a maioria deles, em todos os partidos e em todas as épocas, assim agiram. Os partidos são pobres: em suas esquálidas sedes, nem sempre o aluguel é pago e os telefones são periodicamente desligados por falta de pagamento.


Durante os meses de campanha eleitoral, os candidatos gastam fortunas e precisam gastar cada vez mais —e todos gastam: são aviões, estadas em hotéis, rega-bofes cívicos,passeatas, shows, camisas, bottons, bonés e um pelotão de assessores, marqueteiros, seguranças e pregadores de cartazes, a maioria em regime "full time". 


Tomando como base as últimas eleições, a maioria dos candidatos tiveram campanhas bem acima das possibilidades das burras partidárias. Tirando um ou outro candidato com fortuna pessoal, os demais não tiveram recursos próprios para financiar as campanhas que apresentaram. 


Os programas eleitorais obrigatórios nas rádios e TVs, que em tese são gratuitos, sempre custam alguma ou muita coisa. Lembro um candidato a senador que, em eleição passada, no Rio Grande do Norte, teve de contratar uma multidão de pessoas para gravar uma passeata que nem existiu e que foi mostrada numa emissora local num flash de 30 segundos.

 

Os eleitos, em seus diferentes graus, ficarão com a obrigação de dar o retomo do capital investido pelos patrocinadores. Nada de novo nessas considerações, todos sabem que a máquina eleitoral assim funciona. Rola muito dinheiro, parte dele é contabitizada e registrada na Justiça Eleitoral, o grosso vai abastecer os caixas dois. E sempre sobra algum troco para um assessor anônimo que geralmente desaparece.


O que se verifica nas eleições brasileiras também ocorre nas eleições dos Estados Unidos e de outros países. No caso norte-americano, bastaria a montagem do show final em que republicanos e democratas consagram seus candidatos para custear a sopa dos desempregados em momentos de crise.

 

Já foi dito que todos os regimes políticos são ruins e que a democracia é apenas a menos ruim. O processo eleitoral que forma e formaliza o regime democrático tem um tumor maligno em gestação que mais cedo ou mais tarde pode provocar uma metástase em todo o sistema. Uma candidatura presidencial é façanha que custa muito dinheiro dos outros. E esses "outros", de uma forma ou de outra, cobram a fatura em forma de licitações, cargos, comissões e áreas de influência.


Até certo ponto, o problema parece insolúveL Volta e meia falam no financiamento público das campanhas, mas falam por falar. Na prática, fica difícil repartir o bolo em fatias iguais ou proporcionais.

 

Brevemente teremos os nomes para os cargos de primeiro escalão e seus derivados. Testas de ferro e laranjas de todas as espécies serão indicados de acordo com a tabela das doações, todos procurarão trabalhar pelo e para o Brasil, mas antes terão de pagar o preço de tudo, incluindo as taxas cobradas quando o investimento é de risco.


Folha de São Paulo, 5/11/2010