Não conheci, pessoalmente, Fernando Sabino, que faleceu no início da semana. Conheci sua obra, e aqui a elogio, os romances, os contos e as crônicas, toda a obra de alto valor literário. Vi-o uma vez numa das redes de televisão. Ele e a filha, cantora. Ele deu uma entrevista ao locutor e a filha cantou músicas brasileiras. Mas se não o conheci, dele tenho notícias, todas elogiosas ao ser humano amigo dos amigos, bondoso sem afetação, e pleno de humor, que encantava seus inúmeros amigos.
A imprensa cobriu-o de justos elogios. Na sua esplendida crônica, Carlos Heitor Cony exaltou a figura humana, o sentimento de amizade que era alto nele, o gosto pelas conversas com os amigos, e a sua capacidade literária, sobretudo nos romances, gênero no qual ele era um dos mestres, ao lado de Jorge Amado, Josué Montello e outros que freqüentam as páginas dos jornais, na rubrica de cultura, da qual seu nome era um dos primeiros.
Se não o conheci, senão de leitura de suas obras, conheço fatos que me fizeram admirá-lo. Conto-os, agora que ele partiu para o outro lado, para uma das moradas de Deus Nosso Senhor. Quando se casou com a filha do governador Valadares, se não me engano, ganhou do sogro, como presente de casamento, um cartório de registro de imóveis. Uma verdadeira mina de Salomão. Mas não durou muito em seu nome. Tendo se separado da esposa, escreveu uma carta e devolveu o cartório ao sogro. Ninguém o imitaria.
Outro episódio que lhe marca com letras de ouro o caráter: a Academia Brasileira de Letras outorgou-lhe o Prêmio Machado de Assis. Foi recebê-lo. No momento da entrega do cheque em dinheiro, levantou-se, dirigiu-se ao presidente. Este fez um breve discurso, sua obra foi exaltada, os acadêmicos, por unanimidade, todos, sem exceção, se associaram para louvá-lo, e ele, muito simplesmente, pegou o cheque, de pé, diante do presidente, virou-o e no verso o endossou para uma instituição de caridade. Quem faz isso? Foi ele o primeiro e único na Academia. Bendita seja a lembrança de seu nome pelos pósteros.
Diário do Comércio (São Paulo) 21/10/2004