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Histórias de amor

 

Perguntaram a uma menina inglesa se ela conhecia Shakespeare e, caso o conhecesse, quais eram suas peças favoritas. A menina respondeu que eram duas: “Uma, Romeu; a outra, Julieta.”

O desencontro trágico de dois namorados cujas famílias são rivais não é apenas uma história bem arquitetada: é uma história universal. Pode se passar em lugares tão estranhos como Cabul, Istambul ou Rio Grande do Sul.

Nem todo mundo sabe, contudo, que Shakespeare não inventou a trama: ele a adaptou de um poema inglês, que se baseou num texto francês, que era a adaptação de um conto italiano, escrito por Luigi da Porto. Que, por sua vez, se inspirou em textos anteriores. Em suma, parafraseando o filósofo Chacrinha, quase nada se cria, quase tudo se copia.

Shakespeare, no entanto, compreendeu a força dramática do conto. Reproduziu a trama nos mínimos detalhes e ainda teve o cuidado de mudar o sobrenome de Julieta para Capuleto, e não Capeletti, como em da Porto, o que a tornaria demasiado comestível. Já imaginou uma heroína chamada Julieta Capeletti?

A grande sacada de Shakespeare foi escrever os três primeiros atos de “Romeu e Julieta” como uma comédia romântica, tendo ao fundo a guerra pelo poder entre as famílias de Verona. As falas dos asseclas dos Capuletos e Montéquios parecem extraídas de um filme do Tarantino. Essa violência serve como contraponto para o trunfo maior de Shakespeare: as palavras de amor. Romeu se esconde diante do balcão de Julieta. E ao vê-la, diz para si mesmo:

Romeu: “Que luz é essa que irrompe na janela?

Será o nascente, e Julieta é o sol?

Levanta, sol, e mata a lua ciumenta,

Que já está pálida com a dor da inveja

Por seres tão mais bela do que ela.

E Julieta, ainda sem vê-lo, sonha em voz alta:

Julieta Ó Romeu, Romeu... Por que és Romeu?

Nega teu pai, recusa esse teu nome;

Senão, é só jurar-me o teu amor,

E eu já não mais serei uma Capuleto.”

Romeu escuta as palavras de Julieta e, quando ela confessa seu amor por ele, se revela para a amada. Julieta, entre a perplexidade e o êxtase, se declara. Só faz uma pequena restrição:

Julieta: “Embora eu tenha em ti minha alegria,

Não me alegra essa aliança em meio à noite,

Tão brusca, repentina e tão imprevista,

Como um relâmpago que logo apaga

Antes que alguém proclame a sua luz.

Boa noite, amor. Que o sopro do verão

Transforme esse botão de amor em flor

Quando nos encontrarmos outra vez.

Boa noite, e que tenhamos toda a calma

Tanto em teu coração quanto em minha alma.”

Como todos sabem, os dois se casaram em segredo e foram felizes por três dias. Dirá você que a felicidade não durou muito. Pois é. Mas três dias de amor já são um pouquinho de eternidade.

O Globo, 17/09/2017