A disputa interna no governo sobre cortes para equilibrar as contas públicas envolve questões semânticas, como contrapor gastos a investimentos, mas principalmente divergências de visão de mundo, fazendo com que a renovação partidária necessária se veja constrangida por pensamentos anacrônicos que podem levar o PT, a médio e longo prazos, a um fim semelhante ao do PSDB, que vem encolhendo a cada eleição, como já aconteceu a PDT ou PTB e a outros ainda menos votados.
A boa vontade da agência de rating Moody’s, que recentemente melhorou a nota do Brasil, tem mais a ver com a perspectiva de sucesso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que com os números atuais — eles são bons, mas não estáveis a médio prazo. O próprio presidente Lula fez lobby ativo, indo pessoalmente conversar com os técnicos da agência em Nova York, convencendo-os de que existe a “possibilidade” de cumprimento do arcabouço fiscal.
Pois agora chegou o momento certo para, com medidas concretas, confirmar essa possibilidade, a que parte do PT e o próprio Lula se contrapõem. Há muitos anos o presidente tem a louvável fixação de que gastos em saúde e educação são investimentos. Claro que sim, e o ministro da Fazenda não é louco de achar o contrário, mas é preciso calibrar esses investimentos, balancear a distribuição de verbas e ter controle das necessidades. O gasto obrigatório, constitucional, tem de mudar, não pode ser automático.
A simples discussão dessa possibilidade coloca a parte petista que a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, representa em alerta:
— Isso é um perigo — disse ela.
Mesmo que seu mandato na presidência esteja no fim, Gleisi espelha um grupo que não se convenceu de que é preciso cortar gastos para ter perspectiva de crescimento a longo prazo. Não se lembram do que aconteceu à ex-presidente Dilma, eleita devido ao crescimento artificial da economia no ano eleitoral. Depois ela não conseguiu mais controlar a situação.
Os ministros Haddad e Simone Tebet, do Planejamento, têm batido nessa tecla nos últimos dias, muito mais para conter esse grupo muito atuante do PT, que combina em bom tamanho com Lula e diz que não se pode cortar investimento social. Não é disso que se trata, e ninguém deveria querer cortar tais gastos, mas podemos e devemos fazer algo mais racional. Ninguém quer manter equilíbrio fiscal à custa dos pobres, mas existe uma margem de manobra que precisa ser aumentada para que a gestão funcione.
O presidente pode estar certo na semântica, mas nas contas o dinheiro é igual: sai do Tesouro, da arrecadação de impostos. Veremos se Haddad consegue alguma manobra que ajude o Brasil, para justificar e melhorar ainda mais a nota de crédito e o país ganhar o grau de investimento. O presidente, no entanto, parece ter mais sensibilidade política que seus comandados e luta consigo mesmo para fazer convergir seu lado social com as necessidades econômicas de longo prazo.
No primeiro mandato, Lula conseguiu essa proeza, quando parecia até mais difícil. Fez um governo equilibrado economicamente e teve sucesso, mas tinha o apoio do então ministro da Fazenda Antonio Palocci. Este, além da confiança de Lula, que Haddad também tem, tinha um poder de decisão dentro da estrutura partidária que Haddad ainda não tem. Nesse embate está a disputa pelo futuro do partido pós-Lula, no aggiornamento do PT.
A possibilidade de Lula não disputar a reeleição, por não poder ou não querer, não entra na suposição da máquina partidária, que conta com um novo mandato. Não entendem que, se não for feito algo imediatamente, enquanto a economia está em bom momento, a hipótese de reeleição de Lula enfraquece. Ou então virá como herança maldita deixada para si próprio, para seu partido. E para o país.