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Hegemonia e implosão democrática

 

As cerimônias do qüinqüênio do horror da queda das torres em Nova York mostraram-nos mais do que a desolação das repartidas, diante do quarteirão arrasado, do ground zero. A demora da reconstrução exprime também as hesitações no como retomar o mundo de antes da catástrofe, buscando uma efetiva "cultura da paz". A crescente exasperação da luta contra o terror só evidencia o quanto estamos no começo de uma nova guerra de 100 anos, a consolidar uma "civilização do medo". Mormente quando o perigo passa a se encontrar numa pasta de dente na mala de mão, e o que começou com a Al Qaeda, hoje, se alastra numa ameaça incontrolável, anônima, e talvez apenas no começo de uma confrontação sem volta, do martírio assumido pela causa islâmica, além do seu mundo original.


 


Os meninos terroristas, presos à véspera de explodirem aviões americanos sobre o Atlântico Norte, são ingleses, em boa parte, e imbuídos, até as últimas conseqüências, de uma luta sem quartel contra um Ocidente visto como hegemônico e sufocante, de um direito à diferença e às visões alternativas de futuro.


 


Simultaneamente ao abate do WTC, aí está a fratura crescente da crença na vigência da democracia como primeira condição para a estabilidade universal. Um a um, os países europeus entremostram diferenças, quase fractais, nas maiorias que levaram ao poder os conservadores na Alemanha ou ao governo Prodi, contra Berlusconi, na Itália. A França, na sucessão de Chirac, antecipa o mesmo impasse entre Sarkozy e Segolene Royal. A grande exceção aí está, na Espanha de Zapatero, como busca de saída ao torpor do conservatismo, e ao cansaço dos socialismos tradicionais, nesta Europa que fracassou no avanço da Federação e no definitivo apoio aos estados de "bem-estar".


 


De toda forma, o Velho Continente, na sua derrota pelas últimas eleições suecas, como um todo, marca neste aniversário do 11 de Setembro uma definitiva punição ao país do suporte praticamente incondicional aos Estados Unidos. Blair vê-se condenado, nas entranhas do seu próprio partido, e obrigado, desde já, a definir a data para a saída espontânea do governo inglês - sob pena de um voto de desconfiança em que o grosso do trabalhismo se somaria aos conservadores. É como um basta à resposta de Bush à queda das torres, levada à guerra do Afeganistão, a do Iraque e à iminência de um conflito com o Irã, antecipado na escaramuça entre Israel e o Hezbollah, ao sul do Líbano.


 


Não é hoje, esmagando a Al Qaeda, que se reequilibra a ameaça terrorista, tal como esta não se pode associar ao combate a governos democráticos, de oposição à hegemonia americana no Oriente Médio, qual o do Hamas na Palstina, ou ao apoio popular trazido ao Hezbollah pela população libanesa. Nunca baixou tanto a popularidade de Bush, a dois anos do fim do seu mandato, nesses precaríssimos 28% de suporte, contra os 90% dos dias após a queda do World Trade Center.


 


Uma eventual vitória democrata não repetirá, entretanto, um veto final à política externa de Bush. O pró ou contra a guerra não terá um caráter plebiscitário, a mostrar a vitalidade do discurso da opinião pública. Vai, ao contrário, ao apoio à ocupação militar do Oriente Médio, e à visão do Estado a perigo, até o risco de suas garantias constitucionais. E até onde a recuperação eleitoral do republicano pode ir agora, justamente, à ruptura do tabu da inviolabilidade constitucional do país? E tal para se transformar no primeiro presidente, em séculos, que se aprestou para a "civilização do medo", suas leis e seus pavores?


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 20/09/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 20/09/2006